LOVE, CRIME & NOSTALGIA

o4| A MELANCOLIA DE RUI

"Há um buraco dentro de sua alma quebrada, você não estava pronto para deixar ir. As memórias que vocês dois compartilharam farão você feliz por um tempinho. Oh, por que você teve que ir para um lugar onde eu não poderia te seguir?" — Why did you have to go? (AURORA)

Uma gaivota alçou voo rasante rumo a enseada repleta de conchinhas, estrelas-do-mar e alguns siris vermelhos. 

O pequeno grupo de crustáceos entrou em polvorosa com a aproximação da ave, que após capturar um deles com sucesso, planou em direção ao céu com a presa entre as garras. Ela cortou o céu límpido com suas asas em riste diante dos olhos de Rui. 

A imensidão azul-celeste se refletia naquelas íris de cor idêntica, tão submersas em suas próprias profundezas quanto o mar. O surfista estava deitado sobre uma toalha próximo a enseada, aproveitando as primeiras horas de Sol e o momento agradável enquanto a maré estava baixa. 

Seu cabelo castanho começava a ganhar nuances de um loiro queimado, e o bronze já era uma característica sua, tudo isso devido às longas horas de exposição aos raios solares. A quebra de ondas o fazia relaxar, assim como o som da espuma branca e espessa que batia nas ramificações de algas dispersadas pela areia, trazidas pela maresia.

O ar era salgado.

Ele apoiou um dos braços na testa para proteger os olhos da claridade quando ela se intensificou. Uma lufada de ar o fez se sentar rapidamente ao engolir um pouco de areia. Ele limpou os lábios e deu longos goles na garrafa com suco de laranja, depois mordiscou o sanduíche de atum que sua mãe preparou para o ele levar. 

Enquanto comia, o horizonte azul se revelou diante dos seus olhos nostálgicos. Outra gaivota cortou o céu, mas ao contrário da ave, o surfista não se sentia livre. Rui não gostava de se prender àquele tipo de sentimento, mas era inevitável. Após a perda do pai, ele nunca mais foi o mesmo. O pescador Tae Dixon trabalhava nos portos de Starfish desde os doze anos, era um dos melhores, e logo passou a liderar grandes jornadas pelo Atlântico. A família amava quando o patriarca voltava para casa após semanas e até meses fora, ele voltava cheio de histórias sobre monstros marinhos, peixes gigantes e tempestades violentas.

Era o tipo de pescador que sempre voltava com histórias mirabolantes para contar. Os olhos do filho mais velho brilhavam ao ouvir as desventuras do pai, e mesmo com medo por acreditar em tudo, passou a ir em algumas viagens após se mostrar durão ao trabalhar no porto. Não demorou muito para que as viagens se tornassem mais frequentes, mas a tormenta do mar fez Tae proibir o filho de acompanhá-lo naquela temporada de pesca. 

Era setembro de 1980 quando as tempestades andavam mais agressivas do que o normal. Navegar em alto mar parecia impossível, mas o almirante Dixon foi avante com a sua frota de navios pesqueiros para cruzar o Atlântico e obteve grande êxito. Na volta para casa, a tripulação estava animada. Os trabalhadores do mar bebiam, cantavam e dançavam para afastar o frio cortante do oceano quando a noite caia, mas naquela noite, Tae não voltou para casa, nenhum deles voltou.

O mar parecia ter dado uma trégua, como se reconhecesse a vitória da tripulação, mas as águas se tornaram revoltosas de repente, findando a tranquilidade de todos. O navio começou a oscilar bastante, preocupando o imediato. A escuridão total se abriu em meio a vastidão de uma ventania fria e sem fim, e diante daqueles olhos azul-celeste, o céu negro se rachou. 

Aquela não era uma escuridão total sem estrelas, na verdade, a escuridão estava mais estrelada do que nunca. Finas linhas vermelhas e douradas cortaram o céu, e, diante da tripulação, uma enorme rachadura se abriu. Enquanto todos corriam histéricos para salvar suas vidas, Tae permaneceu paralisado durante alguns instantes enquanto assistia o outro lado da rachadura lhe revelar uma explosão de cores como se fosse um mix de galáxias. Ele correu para sua cabine, pegou um pedaço de papel e começou a escrever uma carta para a família.