Aura

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Um álbum aleatório do Slayer tocava ao fundo, num volume que causaria revolta se houvesse vizinhança. A cama dura rangia como um filhote de cachorro chorando de saudades da mãe. Minha perna estava erguida num ângulo excessivamente obtuso, e meu joelho socava minha cara o tempo inteiro. Eu gritava, mas Tom Araya gritava mais que eu.

E James Hempstead em cima de mim, rápido e impiedoso como sempre.

Eu, sinceramente, não achava que ia fazer algo diferente enquanto estivesse num motel de beira de estrada com ele. Não, James não era meu namorado. Não oficialmente. Basicamente, ele era meu irmão postiço, e nós praticávamos uma espécie de incesto postiço sem compromisso. Pelo menos era assim que eu conseguia interpretar a situação depois de alguns meses, embora eu precisasse reformular pois soava doentio. Minha mãe não sabia, e o pai dele, tanto faz. E agora, estávamos a quilômetros de Long Falls, em busca do verdadeiro metal. Palavras do grande e absoluto Jimmão das Trevas. Ultimamente, não brigávamos tanto, e ele se mostrava um bom menino às vezes. Foi só por isso que aceitei viajar num Opala imundo, já que o proprietário não tinha recursos para bancar passagem de avião e adjacências. Ele tinha apenas a roupa do corpo, ingressos e seu amor pelo verdadeiro metal (e, sempre que ele falava essa frase, ela era seguida por um maloik). De Long Falls até Dallas, eu nem fazia questão de saber a distância. E me orgulhei disso quando chegamos ao segundo dia de viagem.

Na primeira noite, James não quis pagar por um reles quarto de motel, e dormimos ao léu, dentro do carro, a ponto de sermos estuprados e mortos por 666 neonazistas. Passei a noite inteira em estado de alerta, enquanto ele roncava com a mão na parte interna mole e sedentária da minha coxa. E foi por isso, também, que, na noite seguinte, implorei por um quarto naquele motel de localização duvidosa, isolado no raio de pelo menos 2 quilômetros. Só não implorei para estar transando quando deveria estar dormindo, mas, de qualquer forma, não reclamei. Deitada naquele colchão possivelmente lotado de parasitas, segurando as barras de ferro da cabeceira da cama, ela fazendo aquele som de cachorrinho chorando, meu joelho atingindo minha bochecha no mesmo ritmo, Tom Araya gritando, eu gritando, e Jimmy mandando ver.

Se não estivesse tão bom, eu me perguntaria se o motivo da minha companhia era somente aquele. Porque, no que dizia respeito a mim, James era a apatia em pessoa, exceto nesses momentos. Talvez agora eu fosse a única pessoa com quem ele gostava de fazer isso, e se eu não recusava...

x

De manhã, vi Jimmy de cabeça para baixo, olhando a paisagem pela janela.

Não, droga.

Sentei na cama, e vi Jimmy – numa posição normal – olhando a paisagem pela janela. Estava de cabelos soltos, usando apenas uma bermuda preta e bebendo cerveja. Peguei meu celular – sem sinal – e vi que eram 7 da manhã.

- Não é um pouco cedo demais pra fazer isso?

- Talvez. – Jimmy se virou, e um singelo cigarrinho se apresentou em sua outra mão. E deu aquele – também singelo – sorrisinho.

- Porco. – murmurei.

- Zoófila.

Decidi me levantar e tentar tomar um banho no banheiro comunitário decorado no melhor estilo Casa da Rua Paper. No momento em que liguei o chuveiro, um espirro de água turva saiu, fazendo um barulho de vômito no piso do banheiro, e só então a água – supostamente – limpa começou a sair. Ainda assim, foi um banho cheio de desconfiança, com uma olhada cautelosa de vez em quando para a saída de água, sempre esperando pelo pior.

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