Breaking Ties

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Às 6 da manhã, o sol começava a entrar pela janela do quarto. Por sinal, acertava sempre bem na minha cara e eu era obrigada a sair da cama. Já fazia um mês, eu sei que deveria estar minimamente habituada, mas parecia impossível. Eu odiava aquela cidade, e odiava ainda mais saber que estava morando nela. Odiava aquela casa emprestada, odiava meu quarto, odiava minha cama, odiava a localização da minha cama, odiava tudo, tudo.

Todo dia eu fazia o mesmo ritual. Acordava sempre no mesmo horário (culpa do sol), esfregava bem os olhos e depois batia na minha cara, tentando acordar do pesadelo.

Bom, há exatamente um mês eu tento e nada acontece. Parece que meu estoque onírico ficou severamente prejudicado.

Me perguntava sem parar por que meus pais estavam divorciados depois de tanto tempo casados, por que eu tinha 20 anos e não estava na universidade e por que minha mãe tinha escolhido sair de Los Angeles para evitar uma depressão em Long Falls. Sinceramente, não fazia o menor sentido. Podia ser o Alasca, ou Londres, mas Long Falls? A cidade não tem esse tipo de recurso de cachoeira ou cataratas, ou seja, nem o nome faz sentido. Minha mãe pediu transferência do trabalho, e o primo dela, Milles, conseguiu um emprego para mim numa locadora, junto com o filho dele, James.

E ele era outra coisa que eu odiava.

James Hempstead – Jimmy, para os íntimos – tinha 21 anos, e morava sozinho. Na casa ao lado, mas ainda assim ele morava sozinho. E isso só porque tinha uma porra de um emprego numa locadora. Todo santo dia, ele me dava carona no seu próprio carro, um Opala mofado que eu detestava (nada contra Opalas no geral, mas aquele era velho demais, fedido demais, o cheiro me fazia imaginar trajetórias sórdidas inteiras que eu torcia para estar errada a respeito), e fazia questão de dizer que era obrigado pelo pai a fazer isso. Me levava para o trabalho, passava o dia inteiro jogando no computador, e colocava black metal como música ambiente. O serviço inteiro sobrava para mim, e eu ainda tinha que ouvir umas piadas sem graça. Bem que eu gostaria de dedurar aquele infeliz para o chefe, se Milles não fosse o melhor amigo dele. No mínimo, eu seria demitida e minha mãe ia me matar por isso. Ah, a meritocracia...

O jeito era suportar, e não era pouca coisa. Era ele quem abria a loja às 7 da manhã, e só. Limpar tudo, arrumar as prateleiras e atender os clientes a partir das 9h era comigo. O filho da puta gostava de me explorar, e quanto mais furiosa eu ficava, parecia que era melhor para ele. Era inigualável a felicidade que James sentia em comer o almoço quase inteiro e deixar bem menos que a metade para mim. Eu perguntava onde a comida tinha ido parar, e ele passava a mão na barriga.

"É um favor que eu te faço" – ele sempre dizia.

Talvez ele também odiasse aquela cidade e quisesse descontar todo o seu ódio em mim. Bem que a gente poderia ter uma relação legal, tipo irmãos. Podia ser outra coisa também, porque ele não era nada de se jogar fora, se a personalidade não fosse levada em conta. Juro que, no momento em que cheguei, achei que ele seria a salvação no meio do caos que estava a minha vida. Gostava do estilo dele. Cabelo comprido, jeitão despreocupado e uma cara permanente de quem estava pensando merda o tempo inteiro.

Então, ele pegou minhas malas e levou para dentro como se seu pai tivesse mandado ele regar a grama com a língua. Ele não tinha ido com a minha cara ou talvez fosse um escroto mesmo, assim como podia ser puro deboche e/ou cafajestagem. Depois de um tempo, acabei concluindo que todas as opções valiam. Mas era muito injusto, já que eu aguentava tudo calada.

Pior era que eu nem podia falar nada. Eu tinha sobre James aqueles pensamentos que as pessoas geralmente têm quando veem coisas e pessoas bonitas e/ou atraentes. Ele era alto, tinha um corpo legal, daqueles naturais moldados por atividades corriqueiras de trabalho como consertar carros, subir escadas, carregar coisas, comer cachorro-quente e beber cerveja. Vivia de camiseta preta mesmo que nunca fizesse frio durante o dia na cidade, deixava o cabelo sempre solto, embora não tirasse o elástico do pulso para prendê-lo quando julgasse necessário, e nunca tinha como saber quão sociável ele era. Aparentemente, James tinha uma simpatia extremamente seletiva, e definitivamente eu não fazia parte dessa seleção.

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