capítulo IV - lonely heart

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Quando ela correu, Druig ficou tão chocado que ficou paralisado. Ele sabia que ela era imprevisível. Já havia a visto no campo de batalha e gostava de observá-la treinando de longe. Ikaris frequentemente reclamava dela quando dava relatórios do exército para seu pai, dizia que ela era tão indisciplinada quanto era talentosa. E ela era a soldada mais talentosa de Olímpia. Eros a condecorou pessoalmente pelos serviços prestados por ela, e quando ele lhe ofereceu uma posição mais alta, ela surpreendentemente recusou, dizendo que não levava jeito para dar ordens, mas Druig sabia que isso não era verdade. Ele sabia qual era a real motivação para a recusa de uma honraria como aquela. Ele se lembrava de cada detalhe daquele dia, desde as primeiras horas do dia até as últimas, pois havia sido a primeira noite em anos em que ele havia dormido bem, sem nenhum pesadelo. Aquela foi a primeira noite em que ele sonhou com Makkari.
O

dia da condecoração de Makkari foi o dia em que Druig se apaixonou por ela.
°°°
Ela tinha 18 anos e estava no Exército por apenas dois. Ela recebia elogios dos seus superiores desde o seu primeiro mês. Sua evolução havia sido impressionante. Ela era inteligente, rápida - muito rápida, vencia todas as competições entre atletas do reino todo, todos os anos -, ágil, extremamente habilidosa com todas as armas - arco, todos os tipos de lâminas, curtas ou longas , embora sua especialidade fossem as espadas e combates corpo-a-corpo - era como se ela tivesse nascido para aquilo.
Druig sempre a olhava de relance quando ele estava lutando com o grupo dela. Era como se ela brilhasse no campo de batalha e ele podia jurar que via faíscas nas lâminas dela e no chão em que ela pisava. Com o tempo ele passou a querer vê-la mais; ele passava no quartel com a desculpa de ter sido mandado por Eros para fazer um relatório, mas na verdade ela ia por ela e passou a reparar em coisas que não havia notado antes em nenhuma outra mulher que conhecera. A linha forte da mandíbula, os olhos negros como obsidiana, a pele escura e deslumbrante, a silhueta e os cabelos. Ele adorava os cabelos dela não importava como ela o arrumasse. Quando estava de serviço ele estava sempre muito bem preso e Druig gostava de poder ver mais do rosto dela; Ele também gostava das tranças e da forma como elas se moviam quando ela dançava ou corria, mas o seu favorito era o natural, crespo, escuro e volumoso, que envolvia o rosto dela como uma coroa. De qualquer forma ela era esplendida e era assombroso para o jovem príncipe como ela tinha poder sobre ele sem nem conhecê-lo e sem saber disso.
No dia de receber as honras, Makkari usava o seu uniforme sóbrio de soldada, a espada presa nas costas. Os raios de sol entravam na Sala do Trono pela porta da varanda e iluminavam o rosto dela; a sua expressão era séria e concentrada, parecia que estava pronta para enfrentar o inimigo, e de certa forma estava.
O rei Eros estava sentado em seu trono, a Rainha Minerva estava sentada num trono menor ao lado direito dele e Druig estava em pé, do lado esquerdo. Os oficiais de patentes altas e importantes do exército estavam em pé do lado direito do salão e os soldados do batalhão de Makkari estavam em formação, na parte esquerda. Quando ela entrou, Druig sentiu como se o mundo tivesse parado. De repente ele não precisava se esforçar para manter os pensamentos das outras pessoas fora da sua cabeça. Era difícil controlar o dom de ler mentes quando haviam muitas pessoas juntas no mesmo lugar. Por isso não ia a lugar nenhum Apolo e Ártemis; as mentes dos gêmeos eram conectadas com as de Druig, e eles o mantinham concentrado e focado, sem interferências de pensamentos indesejados, e agora Makkari fazia o mesmo, e não era a primeira vez. Esse foi o motivo dele ter começado a notá-la em primeiro lugar. De alguma forma que ele não entendia, quando ela estava perto sua mente puxava a dele, fazendo com que todas as outras se calassem, então ele buscava se manter o mais próximo possível dela quando estavam lutando, que eram os únicos momentos em que ficavam no mesmo lugar. Num momento ele precisava usar muita energia e concentração para conseguir focar e manter as mentes alheias longe da dele, e então ela entrou na sala e a única mente que o príncipe ouvia era a dela.
Não era uma mente tranquila e o deixava ansioso, mas pelo menos era uma mente só ao invés de dezenas. E ela estava com raiva, não queria estar lá. Druig viu que ela estava de luto pelos companheiros e amigos que haviam morrido na noite passada e pelas pessoas que havia matado. Havia muito sangue e muita dor na mente dela. Ele tinha lutado na noite anterior também. Havia sido um conflito especialmente violento e o desempenho de Makkari nunca passaria despercebido e era por isso que estavam todos ali. Ele se lembrava de ver lágrimas nos olhos dela, e ela sentia tanta dor que soltou um grito engasgado. Ela lutava contra vários soldados inimigos, mas a curva da sua espada era tão cruel que rapidamente eles foram caindo mortos, um por um. Houve um momento de choque coletivo onde todos pararam e a encararam. Ela estava em posição de ataque, os olhos tinham uma expressão selvagem, suor e lágrimas correndo pelo rosto; ela era triste e extraordinária ao mesmo tempo e a sua mente estava afiada, causando uma terrível dor de cabeça em Druig. Quando o transe se acabou, todos os soldados inimigos se lançaram contra ela, eram dezenas deles contra apenas uma Makkari. Druig viu na mente dela que ela não tinha medo, ela só tinha desejo de vingança e adrenalina, mas ele sabia que nem mesmo ela daria conta de tantos; Assim, quando um homem levantava a espada para atacá-la pelas costas, ele, montado em Apolo, impediu a tragédia. Ela olhou para ele de relance, mas não sinalizou nada. Ela não se importava com ele ou com o que ele fizesse. Eles lutaram lado a lado os quatro, Druig, Makkari e os lobos gêmeos. No fim da noite não houveram palavras de agradecimento e nem comemorações de nenhum tipo pela vitória. Ela subiu em seu cavalo ignorando a ordem de Ikaris para ficar e foi embora.
Eros obviamente sabia do ocorrido e estava cheio de alegria pelo "seu" êxito. Ele mandou que preparassem um banquete e uma cerimônia especial para condecorar Makkari. O nome dela corria aos quatro ventos e todos os outros exércitos estavam com medo dela e da sua fúria mortal e ela não gostava nenhum pouco disso. Druig pode ver a si mesmo nela, pois também não gostava do título de 'A Fera', ele também não gostava que o temessem, tampouco gostava de ter sangue nas mãos.
Muitas vezes ele não sabia quando o Príncipe Carrasco terminava e onde começava o Druig. Na maior parte do tempo ele não se reconhecia quando se via em espelhos, e a cicatriz no seu rosto fazia com que ele os evitasse. Não haviam espelhos nem no quarto e nem na ala do castelo onde o quarto dele ficava; Ele evitava janelas, fontes, rios e qualquer coisa que pudesse fazer reflexo. A máscara sempre presente no seu rosto representava uma parte dele que ele odiava, que colocava medo em pessoas inocentes; Ao mesmo tempo, ficar sem a máscara significava estar vulnerável, e essa era a outra metade dele, a qual também desgostava. Então, o príncipe se permitia ser a si mesmo apenas sozinho e no escuro dos seus aposentos, junto aos gêmeos e seus livros.
Ele pode ver que era assim que ela se sentia: acuada, impossibilitada de ser quem ela gostaria de ser. Ela detestava quase todas as pessoas em volta dela, sentimento do qual Druig compartilhava. Ela aceitou todos os elogios e prosseguiu toda a noite com uma expressão serena no rosto; nenhum sorriso, apenas uma expressão que Eros interpretou como humildade perante a "honra de falar pessoalmente com Eros, O ‘’Grandisoso". Mas Druig sabia a verdade desde a outra noite. Ele sabia que o desejo de vingança dela não era contra os soldados adversários, e sim contra quem iniciou toda a guerra. Ela nem mesmo os considerava seus inimigos, esse papel era do Rei de Olímpia. Seu desejo de vingança era contra "Eros, O Maldito", como ela o chamava em seus pensamentos, o que causava no príncipe uma certa diversão. A expressão calma no seu rosto não era humildade ou reconhecimento da sua posição diante do Rei, era apenas o máximo que ela conseguia demonstrar, e com muito esforço, sem desmoronar em prantos pelo luto ou surtar e matar a todos que pudesse pela raiva.
Druig sentiu um imenso respeito e admiração por ela, e ele só havia sentido isso por Thena, então a sensação era estranha, principalmente pelo fato de que eles não se conheciam. Ela tinha algum efeito desconhecido sobre ele, mas ela não sabia de nada disso. Os dois trocaram alguns olhares rápidos durante todo o evento, mas não se falaram. Ninguém estranhou o fato, mesmo todos sabendo que eles haviam lutado lado a lado, pois Druig nunca fora dado à socialização.
Nenhum dos dois sabia, mas a partir daquela noite, eles passaram a compartilhar dos mesmos sonhos.
°°°
No dia em que Makkari o beijou, Druig não só não teve nenhum pesadelo, como sonhou com ela.
No sonho, Makkari estava vestida de vermelho. Um vestido longo que cobria seu pescoço e seus braços – como ela sempre se vestia –, cheio de pedrarias no espartilho, a saia comprida fluida e esvoaçante. Ela estava com a espada nas mãos e por um momento Druig pensou que ela estava lutando, mas ela era a única pessoa no sonho; Druig percebeu então que ela estava dançado. Ela dançava graciosa e ameaçadoramente ao mesmo tempo, os seus passos era afiados e as suas tranças grossas e compridas se moviam ao redor dela lindamente. De repente, sua espada pegava fogo, e então cresciam chamas no chão por onde ela pisava. A lua estava alta, o céu limpo, sem nenhuma única nuvem. Quanto mais ela dançava, mais a lua brilhava e de repente ela se virou na direção de alguém e parou som um sorriso nos lábios. Era um homem.
Era ele mesmo, sem máscara, com a cicatriz a mostra.
Druig acordou de súbito e não pode mais dormir. Ele tocou o seu rosto onde estava eternamente marcado e fez algo que nunca se permitia fazer.
Druig, pela primeira vez em muitos anos, chorou.
°°°
Druig não se lembrava de todos os detalhes de quando Eros o esfaqueou no rosto. Ele só se lembrava de que era uma criança e que era seu aniversário, sua mente apagou a maior parte dos detalhes, e seus pesadelos com o dia em questão eram confusos e cheios de sombras e borrões.
Foi no mesmo dia em que Arishem lhe presenteou com os gêmeos Ártemis e Apolo. Eros ficou tão irritado, tão contrariado que bateu em Druig até quebrar o seu braço. Ele se lembrava do pai aparecendo do seu quarto completamente descontrolado enquanto ele orava sozinho agradecendo ao Deus de Olímpia pelo presente. Os lobos estavam no templo com Ajak, esperando que ele voltasse. Eros pegou o garotinho pelos cabelos, lhe batendo tanto por tanto tempo que Druig sentiu seu corpo amortecer. Os surtos do rei eram comuns, mas naquele dia foi extremo. Depois disso, ele arrastou o filho até a frente de um grande espelho, disse coisas que Druig não conseguia se lembrar - e nem queria - puxou uma adaga do cinto de armas que sempre estava consigo e cortou o rosto dele da ponta direita da testa até o lábio superior. Druig era cego do olho direito por causa disso, e desde então a máscara passou a ser indispensável. Não apenas a máscara de tecido, que cobria a marca e o olho, mas também a Máscara invisível que ele usava para se blindar do resto do mundo.
Algumas horas depois, Eros estava com o corpo tomado por feridas dolorosas e não conseguia respirar direito. Ajak havia recebido uma mensagem de Arishem. Eros não teria mais seus poderes e nem sua saúde de volta por causa do que fez ao príncipe. Desde então, as punições físicas acabaram, mas isso não impedia o rei de torturá-lo psicologicamente.
No ano seguinte, a adaga usada contra ele, que era a favorita de seu pai, foi o presente de aniversário Druig.
Ele nunca a usava e nunca a carregava consigo.
°°°
Eram cinco dias depois da festividade que deu início ao governo do Rei Druig e as únicas coisas em que ele pensava eram o beijo de Makkari, que nunca saía de sua mente e o breve momento que tiveram juntos antes dela fugir.
É verdade que ela o deixava completamente atordoado e nervoso, mas ela fazia algo mais. Ela lhe dava algo que ele não tinha muito na vida: diversão. Sendo assim, a mente de Makkari era como uma brisa fresca num dia quente de verão, e ele estava ansioso para vê-la novamente.
A mente dela era inquieta e estava sempre pensando coisas que faziam com que ele tivesse vontade de rir. Ela também era uma encrenqueira nata. Ele se entretia vendo como ela provocava e causava confusão nas outras pessoas. Mas não era só por ela que Druig se disfarçava para ver as festas clandestinas do povo e dos rebeldes. Ele ia porque gostava de ver como mesmo em tempos difíceis as pessoas ainda tinham energia para dançar, cantar e flertar. Isso significava que eles tinham esperança, pois pessoas sem esperança não festejam não fazem arte e não veem sentido no amor, elas apenas esperam o pior acontecer, e Druig não queria se render ao desespero.
Pensando em tudo isso, ele esperou alguns dias para que ela pensasse que ele havia se esquecido dos ocorridos entre eles e enviou uma mensagem convocando-a ao castelo. Ele queria provocá-la, queria saber como era a sensação de de fato se divertir, e não apenas ver os outros se divertindo. Ele queria saber como era fazer as coisas do modo dela.
Ele queria que ela fosse sua amiga.
Druig estava no escritório, lendo os arquivos de seu pai quando um servo do palácio avisou que ela havia chegado e que esperava na biblioteca, assim como ele havia ordenado. Imediatamente ele se levantou e foi até ela.
Makkari não estava de serviço naquele dia, então usava as suas roupas comuns, se é que poderiam ser chamadas assim.
Olímpia estava no auge do verão, e mesmo com o sol alto e o calor escaldante, ela usava roupas que cobriam seu pescoço, bracos e pernas. Ela vestia uma blusa de gola alta, um colete ajustado ao corpo decorado com pinturas de flores douradas e uma de cintura alta, calça larga e comprida; Tudo era em tons de vermelho, como no sonho de Druig, exceto pelas botas, que eram pretas, no sonho ela estava descalça e os cabelos estavam soltos em tranças. Ela nunca mostrava muito de sua pele, mas como isso não era algo na qual ela pensasse, Druig não sabia se havia um motivo especial para se esconder tanto, ao passo que todas as outras garotas do reino tivessem o costume de usar decotes, saias e mangas mais curtas. De qualquer forma, Druig pensou, ela estava linda. Estava sempre linda.
Ela estava de costas e não tinha nenhuma bolsa desta vez, mas estava claramente pensando nos livros que gostaria de levar com ela, e logo depois se auto repreendendo. "Você está aqui por causa disso, Makkari, você vai ser punida, presa, provavelmente morta, pare de buscar confusão". Seria divertido, se ela realmente não estivesse apreensiva pela sua família. Era nítido para Druig como ela os amava e como eram unidos. Ele pensou na sua própria mãe, em como ela estava doente e em como ele precisava se esconder nas sombras para poder vê-la sem seu pai saber. Ele não havia visitado Thena desde a morte de Eros, pois ela estava muito indisposta para receber visitas, mas era tema recorrente nos pensamentos do filho.
Ele decidiu que por causa do medo dela em trazer dor à sua família ele não iria brincar muito com ela, mas só dessa vez. Ele pretendia se encontrar com ele muito mais vezes. Como ela estava distraída e não havia percebido que ele estava na sala, ele falou na mente dela.
"Você gostou dos livros que levou da última vez?" e então ela fez algo adorável: deu um pulo no lugar onde estava e se virou para ele assustada.
"Você falou dentro da minha cabeça?" ela sinalizou. Percebendo a falta de respeito, imediatamente fez uma mesura desajeitada e disse:
"O Senhor falou dentro da minha cabeça?" Druig pôde perceber como ela odiava chamá-lo de 'senhor'.
Ainda telepaticamente, ele respondeu: ''Sim, eu falei dentro da sua cabeça assim como estou falando agora"
Suas mãos as vezes eram mais rápidas do que o seu bom senso, fazendo com que muitas vezes, como agora, ela se arrependesse das coisas que dizia:
"Bem, então pare".
Antes mesmo que ela pudesse se desculpar, Druig riu. Makkari podia ver que ele estava rindo alto, gargalhando e ela não conseguia entender a razão. Ele estava mesmo se divertindo? Ou estava tentando manipulá-la de alguma forma?
Quando a risada cessou, ele disse em sinais:
"Você é muito impressionante, minha Bela Makkari"
"Minha o quê?" ela pensou.
"Bela Makkari" ele respondeu mentalmente. ''Acho que a senhorita sabe o que significa 'bela' e 'Makkari' é seu nome, então..."
"Eu entendi". Ela disse. ‘’Me desculpe, eu não sei o que estou pensando, Senhor, falando dessa forma. Confesso que fiquei apreensiva sobre o contexto desse encontro"
Ele a deixava extremamente irritada e o fato de ele beijar muito bem a deixava ainda mais irritada. Druig levantou uma sobrancelha com esse pensamento dela, mas decidiu não comentar nada sobre.
''Não há necessidade de desculpas, mesuras ou formalidades. Eu a chamei para uma conversa informal, como escrevi no bilhete."
"Ah, me desculpe, senhor, mas é que é um pouco, na verdade bastante estranho falar informalmente com o Rei.", ''Ainda mais vestido dessa forma ridícula’' ela adicionou mentalmente, e um segundo depois percebeu que havia cometido outro vexame.
Novamente, Druig riu. Era incrível como ele se sentia leve perto dela, como ela lhe arrancava muito facilmente um sorriso ou uma risada sincera. Estar perto de Makkari era sempre um coisa nova e emocionante.
''Não gosta das minhas roupas?''
Druig estava vestido como um verdadeiro rei, com cores vibrantes, uma coroa simples e até mesmo um manto. Obviamente não fora ele o responsável pela escolha das vestes, mas ele se sentia um tanto atrapalhado e confuso na função de monarca, então deixou que Angelo, o servo pessoal de Eros, agora seu servo pessoal escolhesse o que achava melhor, já que tinha experiência, mas assim como Makkari, Druig não havia gostado nem um pouco.
''Posso perguntar uma coisa, Senhor?''
''Só se parar de me chamar assim. Me chame de 'Druig' ou de 'você''
''Você não está bravo comigo?''
''Não. Eu deveria?''
''Então porquê estou aqui?''
Druig deu um sorriso de canto e se aproximou dela. Quando estava perto o suficiente, com as mãos nas costas ele se inclinou para ela e disse telepaticamente:
''Você é uma pessoa muito intrigante e eu gostaria de conhecer você melhor''
Makkari deu um passo para trás e cruzou os braços. Druig leu na mente dela que ela estava ficando cansada do jogo dele. "O que ele queria com ela? Por que não dizia logo?" ela se perguntava.
''Ainda não entendo''
''Tudo bem, então eu vou ser mais direto: eu quero que você seja minha amiga.''
''Sua amiga?"
"Sim"
''Por que?''
''Por que não?''
''É que nós não nos conhecemos"
''Não é verdade, nós tivemos uma breve conversa há cinco dias atrás nesse mesmo lugar, eu não denunciei - e nem vou - os seus pequenos furtos, nós lutamos lado a lado várias vezes e você me roubou enquanto me beijava, então eu acho que nos conhecemos o suficiente para sermos amigos.''
Enquanto falava ele percebeu como ela ficou corada ao mencionar o beijo. Ela arregalou os olhos, encolheu os ombros e abaçou a si mesma enquanto se virava de costas e encostava a testa numa estante próxima dela. Druig achou que ela era adorável.
Ela respirou fundo antes de recuperar a coragem e se voltar para ele.
"Eu realmente posso falar informalmente?''
"Sim, eu já disse milhões de vezes que sim;''
"Tudo bem, então. Eu não sabia que era..." ela fez uma pausa dramática antes de continuar. "Você. Se não não teria feito o que fiz.''
Ela estava muito angustiada, era visível. O que ele tinha feito de errado? Ele estava sendo amigável, não estava? Tudo bem que Druig não sabia o que era fazer uma amizade, mas não era possível que estava indo tão mal assim, não podia ser tão difícil. Ele decidiu que ia agir tranquilamente sobre tudo, que ia fingir que não pensava o tempo todo nela e nos lábios dela. Quem sabe se ela achasse que ele não se importava, talvez ficasse mais tranquila.
''Não teria feito o que? Me beijado ou me roubado?''
''Os dois. Me desculpe, sério, eu vou te devolver o seu colar, podemos esquecer isso?''
''Não precisa me devolver nada, está tudo bem. Olha, eu não entendo o que eu estou fazendo de errado.'' A esse ponto, ele estava começando a ficar desesperado. O que ele precisava fazer para ter uma conversa tranquila e amigável com alguém? Ele entendia as razões de ela ter aversão a ele, mas pensava que se se mostrasse diferente d'A Fera ela iria perceber que ele não era aquilo que pensavam dele. Ela era inteligente, ele sabia disso. Então porque as coisas não estavam saindo como ele planejara?
Ela olhou para ele confusa e disse:
"Como assim?''
''Eu entendo que você não goste de mim, todos tem motivos para isso, mas eu estou sendo legal agora, não estou?''
Sem dizer nada, Makkari apenas pensou: ''Está sendo esquisito, isso sim.''
''Esquisito?'' Sinalizou Druig.
Druig viu Makkari respirar fundo. Ela estava tão ou mais confusa do que ele, mas havia entendido que ele não estava sendo hostil, o que de fato, a deixara surpresa. Sendo assim, decidiu dar a ele um pequeno, muito pequeno voto de confiança.
''Druig...'', ''Sim'' Ele imediatamente disse na mente dela, o que era bastante incômodo e a assustou. ''Por que não nos sentamos? Longe de mim querer dar ordens a você dentro da sua própria casa, mas acho que seria mais fácil nos entendermos assim.’’
Os dois se sentaram à mesa de madeira maciça da biblioteca, Makkari o mais longe possível dele. Ela disse:
"Olha, primeiro de tudo, eu gostaria de entender exatamente a razão de ter sido chamada aqui hoje. Em sinais, por favor''.
''Eu já disse, eu te chamei para termos uma conversa informal, amigável, mas você está agindo como se eu fosse fazer algo horrível a qualquer momento.''
''Bem, já que essa é para ser uma conversa informal e amigável como você diz, vamos combinar de sermos sinceros, tudo bem?''
''Tudo bem.''
''Me desculpe, mas não pode me culpar por ficar na defensiva. Você... é quem você é''.
Ela parecia apreensiva, mas já que provavelmente iria ser mandada para a forca em praça pública não se privaria de dizer tudo o que pensava, ele poderia ler seus pensamentos de qualquer jeito.
Como ele não respondeu nada, apenas abaixou a cabeça e depois olhou para ela com olhos um pouco marejados, ela decidiu continuar.(Okay, isso é uma surpresa)
''Eu tenho uma dúvida."
''Diga''
''Você consegue ler meus pensamentos, certo? Então porquê nunca me denunciou, se sabe tudo o que eu pensava sobre o seu pai? E porquê não está furioso agora sobre o que eu penso sobre você?''
Druig respirou fundo antes de responder:
''Porquê eu tenho as mesmas opiniões que você''.
Ela olhou para ele com uma expressão de descrença, a boca aberta e os pensamentos dela estava agora tão surpresos, tão frenéticos que era como se ela estivesse gritando dentro dos seus ouvidos. Druig por instinto colocou as mão nos ouvidos e disse alto na mente dela:
"Pare de gritar!''
Dentro da mente dela ele viu que ela detestava quando ele fazia isso.
''Como eu posso estar gritando se eu sou surda? E pare de falar dentro da minha cabeça, isso é estranho.''
Ele viu como ela se arrependeu de ter falado aquilo, que sentia medo e que odiava sentir medo. E ele se odiava por ele ter medo dele, se odiava por toda e qualquer pessoa que tivesse medo dele.
''Olha, Senhor, me desculpe de novo por falar assim, eu não sei o que eu estava pensando...''
''Não, não se desculpe, por favor, e não me chame de 'Senhor', eu não gosto nenhum pouco. Eu não sei muito bem controlar meu dom de ler mentes e falar telepaticamente é mais natural pra mim do que falar em sinais ou voz alta, mas eu vou me esforçar pra não invadir seu espaço, eu é que peço desculpas.''
Ela ficou apenas parada por um tempo, olhando para ele, analisando ele. Para Druig a sensação era a de que uma eternidade havia se passado até que ele decidiu se pronunciar.
''Você não vai dizer nada?''
''Bem, é que eu nunca ouvi um monarca pedir desculpas antes.''
Makkari não sabia que ele se desculpava por tudo o tempo todo. Ela não sabia como ele se sentia culpado por tudo o que havia acontecido com Olímpia e que ele não havia evitado. Ela não sabia como e com que frequência Eros o punia por coisas que ele nem entendia, fazendo com que ele sentisse a necessidade de se curvar e pedir perdão. Ela não fazia ideia de que era por isso que ele praticamente não falava, apenas seguia ordens metodicamente para não cometer nenhum erro, de como ele tinha medo de pisar em falso, de como ele ansiava por uma amizade, por um amor sincero e verdadeiro, alguém para conversar tranquilamente, rir e brincar. Ele estava cansado de ficar quieto, mas ele não sabia como conversar normalmente com nenhuma pessoa além de Thena, mas Makkari não sabia disso e também não sabia o quanto ele estava se esforçando. O quanto ele queria chorar.
''Bom, então você ficaria surpresa com a frequência que eu faço isso.''
''Isso tudo é sério? Isso de você querer que eu seja sua amiga? Eu realmente não vou receber nenhuma punição?''
Druig estava cansado da desconfiança dela. Da desconfiança de todos. Ele se encostou na cadeira e passou a mão pelo rosto.
''Quantas vezes eu vou ter que explicar isso, Makkari? Qual a parte que você não consegue entender?''
''Bom, tudo. Nada disso faz sentido.''
''Olha, eu não vou conseguir te dar cada detalhe da minha vida agora para que você entenda, você não pode só me dar um voto de confiança?''
''Por quê eu?''
''Eu não posso te dizer.''
''Então eu não posso te dar um voto de confiança.''
''Mesmo depois de eu ter soltado os prisioneiros do meu pai?''
''Você acha que aquilo foi uma grande gesto da sua parte? Aquilo não é nada perto do horror que nós temos passado, Druig.''
Ela estava brava, e sinceramente ele também estava ficando. Ela não baixava a guarda nunca, ele não sabia o que fazer, ele só queria gritar.
''O que eu preciso fazer pra você acreditar em mim?''
Ela levantou uma sobrancelha e disse:
''Olha, pelo que eu entendi, você não sabe como funciona uma relação de confiança, mas não é desse jeito. Confiança leva tempo pra se construir, ainda mais vindo de você, que me desculpe dizer, mas boa parte do terror desse reino é sua culpa. Não vou esquecer de nada em uma única conversa e honestamente eu nem sei se quero ter uma conversa como esta de novo, você nem mesmo quer me dizer porquê escolheu a mim pra conversar e quer que eu simplesmente confie? Eu tenho muitas perguntas, mas não acho que vão ser respondidas, então não vejo razão nisso tudo.''
''Se eu responder uma pergunta sua e te contar um segredo você acha que pode tentar me dar um voto de confiança?''
''Talvez.''
''Bom, acho que vou ter que me contentar com isso. Faça a sua pergunta.''
''Okay... Se você não concordava com o seu pai como disse antes porquê não fez nada contra ele, porquê não fez nada para acabar com tudo?''
''Você sabe que sou filho bastardo, não sabe?'' Ela acenou positivamente com a cabeça. "Minha mãe foi a única pessoa com quem já me importei e que já se importou comigo. Ela tem o Mad'Wyry e na maior parte do tempo está muito confusa, muito debilitada. Eu nunca soube quem ela era até o dia em que atingi a maioridade. Meu presente de aniversário foi descobrir quem ela era, e no mesmo dia meu pai disse que se eu não fizesse exatamente o que ele queria, quem iria sofrer as consequências seria ela. Por isso nunca fiz nada diretamente, apesar de me disfarçar e ajudar os rebeldes muitas vezes.''
''Você ajudava os rebeldes?''
''Sim, mas agora você já fez duas perguntas, senhorita Makkari.''
''Mas ainda temos um segredo em débito, senhor Druig''
Ele sentia que o ar entre eles estava menos tenso, então decidiu que iria revelar para ela uma de suas maiores vulnerabilidades. Ele não sabia se as pessoas normais compartilhavam tanto de si mesmos numa primeira conversa, mas ele queria desesperadamente que ela confiasse nele.
''Muito bem lembrado.''
Druig teve que respirar por um tempo antes de falar, mas essa pequena pausa estav deixando Makkari ansiosa.
''Bem, que é? Está demorando muito para falar.''
Ele conseguiu rir um pouquinho apesar de tudo. Ele adorava como ela era espontânea.
''Tudo bem, isso é difícil pra mim, só estava tomando um tempo.''
''Bom, esperar é difícil para mim.''
''Eu estou ciente da sua impaciência, Bela Makkari.''
''Não fuja do assunto.''
''Okay. Eu vou te contar o motivo de eu usar essa máscara o tempo todo.''
Ele ficou atento ao rosto dela, queria saber como ela iria se sentir? Sentiria mais medo? Pena? Nojo? Ele não sabia qual das opções era pior.
Como ela não disse nada, ele continuou:
"Eu uso essa máscara desde os oito anos de idade. Meu pai tinha um apreço especial pelos meus aniversários e no dia em que eu fiz oito anos, Arishem enviou para mim Apolo e Ártemis. Eros ficou tão irritado que se voltou contra mim, o que não era incomum, mas naquele dia foi muito pior. Eu deixei os lobos com Ajak no templo e subi para o meu quarto para orar e agradecer sozinho pelo presente. Ele entrou no quarto e me bateu por pelo menos 15 minutos sem parar. Ele dizia coisas horríveis que eu não consigo me lembrar e me arrastou para a frente de um espelho e cortou o meu rosto do lado direito. Eu tenho uma cicatriz grossa e enorme que vai da testa até o lábio, e sou cego de um dos olhos por causa disso. Ele nunca permitiu que Ajak me curasse, e com o tempo eu mesmo passei a deixar de desejar isso. Eu o amei muito tempo mesmo depois disso, achava que era minha culpa e tentava agradar a ele, até que ele ameaçou minha mãe. Depois disso passei a odiá-lo e a cicatriz passou a ser uma lembrança de que ele não merecia perdão. Depois daquele dia ele não me tocou mais. Arishem tirou os poderes dele como punição, mas os ataques passaram a ser ainda piores.''
Makkari estava perplexa, ela não conseguia dizer nada. Ela não fazia ideia de tudo aquilo, não conseguia imaginar. Eros era ainda pior do que ela pensava.
''Esse é um dos meus maiores segredos, Makkari, e o que mais machuca. Se eu não consegui te convencer a tentar confiar em mim depois disso, pode ir embora, eu não vou tentar mais falar com você, eu não sei mais o que fazer.''
Ele se virou para a parede em frente a mesa, não estava olhando para ela, então não viu a solidariedade passando pela expressão dela.
Ela gentilmente tocou o ombro dele e ele se virou surpreso para ela.
''Druig, eu não posso te prometer nada, mas eu sinto muito por tudo o que seu pai te fez passar. Eu também não sou uma pessoa horrível e sem sentimentos, mas confesso que sou rancorosa, não consigo simplesmente deixar de lado as coisas que a sua família fez, mas vou guardar o seu segredo e vou tentar ser menos desconfiada, mas ficaria mais fácil se me explicasse a razão de toda essa conversa.''
''Eu quero melhorar Olímpia, Makkari, mas não sei como fazer isso, ninguém confia em mim. Mas eles confiam em você. Eles te consideram uma heroína. Se eu tivesse seu apoio, talvez as coisas ficassem mais simples. Eu disse antes que gostaria de te ter como amiga, mas não é só isso, eu gostaria de te ter como minha conselheira, também.''
Druig não iria confessar sua maior motivação, que eram os sentimentos mais profundos que sentia por Makkari, ela não precisava saber.
''Conselheira?''
''Vai ficar repetindo tudo o que eu digo?''
''Tá bom, desculpe. Eu posso pensar melhor?''
''Pode, mas eu preferiria que fosse rápido''
Ela deu um sorrisinho de canto que balançou o coração dele e disse: ''É claro que sim. Para a sua sorte, eu sou a pessoa mais rápida de Olímpia.''
''E mais modesta também, como posso ver.'' Ele brincou.
Ela sorriu de verdade agora, um sorriso grande e verdadeiro. Druig não poderia estar mais feliz .
''Não vejo razão na modéstia. Na mentira sim, às vezes, mas a modéstia é para os fracos e sem talentos.''
Druig não conseguiu conter uma risada alta. Ela era completamente imprevisível.
''Posso definir um prazo para ter sua resposta?''
''Desde que não seja para amanhã, tudo bem.''
''Sendo assim, cinco dias, embora eu espere te ver antes disso.''
''Cinco dias, então. Posso ir embora?''
''Se está tão ansiosa por isso, está liberada. Quer que eu te acompanhe?''
Ela se levantou, pronta para deixar o castelo. Depois de tudo precisava correr, precisava de ar fresco.
''Não precisa se incomodar. Eu me acho.''
''Não me responsabilizarei se os guardas a virem furtando coisas.''
Ela revirou os olhos e sorriu brincalhona ''Não seja ridículo, eu nem mesmo tenho uma bolsa.''
''Você sempre surpreende.''
''Não sei se a conotação disso foi positiva ou negativa, mas vou encarar como um elogio.''
''E foi.''
Os olhares dele se encontraram por um momento, e Makkari teve uma estranha sensação de choque percorrendo o corpo. Druig franziu a sobrancelha, olhando para ela de um modo estranho, intenso. Desajeitadamente ela de despediu:
''Tchau, Druig.''
''Tchau, Makkari.''
E ela se foi, deixando um homem apaixonado para trás.
°°°
OI GENTE
Me desculpem a demora, mas esse capítulo me custou duas semanas pra terminar, espero muuuitp que gostem, eu amei escrever ele.
Alias, aviso que não vou mais ter dias específicos pra postar pq isso me deixa nervosa e aí eu não consigo produzir nada.
Enfim, desculpem os erros, e OBRIGADA POR ACOMPANHAREM, AMO VCS.

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⏰ Última atualização: Mar 26, 2022 ⏰

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a bela e a fera - drukkari's versionOnde histórias criam vida. Descubra agora