Cheesecake

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Eu voltei para a casa aquele dia com a comemoração de Mahina e dando atenção ao pequeno Yuki, que nem sabia por que, mas ficava animado por sua mãe estar animada. Segurava o embrulho de viagem do doce como um tesouro. 

- Você já foi em um encontro antes, Nano? - Perguntou a mulher de cabelos curtos, com um sorriso muito animado.

- Nunca, não sei nem o que fazer. Espero que ele não fique chateado se eu não souber o que fazer. - Suspirei, lembrando da cena de hoje mais cedo.

- Acho que ele gosta. - Comentou ela com uma risadinha maldosa.

- Como assim? 

- Você nota? Do mesmo jeito que ele come as coisas devagar para apreciar o sabor ele vai te deixando sem graça aos poucos. Seria uma provocação discreta. Mas ele sempre parece saborear, de alguma forma, a sua timidez. Talvez você seja o tipo dele, Nano. - Eu encarei ela com uma expressão de surpresa. 

Eu tinha me atraído no homem, mas não esperava algo recíproco. Conformes andávamos eu notei que foi ingenuidade minha, ele deveria ter me dado seu cartão por esse motivo. Mas como eu fiquei com receio de chama-lo, obviamente o rapaz deve ter achado que eu não tinha interesse. Por isso...o presente? Para eu finalmente ligar para ele?

- Ele é insistente, mas acho isso um ponto positivo. - Brincou Mahina parando em frente a sua própria casa. Muito bonita, com dois andares. Ela acenou para mim com carinho e fez menção de entrar. - Se precisar de ajuda com as roupas...Pode me chamar.

- Obrigada Mahina, dei muita sorte de conhecê-la. - Comentei, logo me curvando e seguindo para minha casa, poucos imóveis a frente. 

A noite começava a cair. Eu coloquei o doce na geladeira, já que eu não sabia o que era. E comecei as rotinas de uma dona de casa: lavar as louças remanescentes, fazer a limpeza dos móveis com um pano umedecido enquanto a panela de arroz trabalhava. Quando consegui finalizar a breve limpeza vesti um avental, começando a picar alguns legumes e colocando em uma panela no fogo.

Eu amava o cheiro que legumes cozidos deixavam na cozinha. Pegando uma fatia de peixe que tinha comprado mais cedo, me preparando para selar a carne na frigideira. O cheiro de peixe selado com azeite era uma delicia, até me despertava a fome. 

Com o jantar feito eu coloquei a mesa na varanda, colocando a caixa com o doce logo a frente. Tentei comer meu jantar tranquilamente, com os pensamentos me devorando lentamente. Desde o beijo na minha mão não consigo tirar senhor Kento da minha cabeça, ainda mais vendo a movimentação da minha rua.

Era o horário que os executivos e maioria dos maridos voltava para casa, tinham algumas esposas e até casais de terno voltando para casa. Eu admirava a cena, imaginando que depois que voltou ao trabalho o senhor Kento deveria estar saindo agora. Tentei não pensar na cena fofa que seria receber aquele homem em casa, amavelmente. Com a janta servida na mesa e talvez algum doce para anima-lo. Mesmo com minha bochechas esquentando eu estava feliz, era uma cena linda de imaginar. 

Depois do jantar eu abri o embrulho do doce animadamente.

- O que será? - Perguntei a mim mesma, conforme desfazia o embrulho e tirava o doce. Que parecia ser um bolo. Quando tirei por inteiro eu fiquei feliz, era um  cheesecake japonês. Bem fofinho e macio. - O senhor Kento... Será que eu deveria contar que é o meu favorito? - Perguntei para mim mesma enquanto pegava um pedaço do mini cheesecake. Quando coloquei na boca eu senti o sabor adorável desmanchar na minha língua e dei um suspiro longo.

Não voltei a terra até comer todo o bolo. Era pequeno, então não foi uma tarefa dificil, mas agradeci mentalmente que ninguém estava vendo eu suspirar por um doce. Antes que eu nota-se ele ja tinha acabado. Eu ri um pouco da minha própria reação ao bater o talher o prato vazio. 

Peguei meu celular, para agradecer o presente. Demorei um pouco para digitar o número na tela. Mandei uma mensagem antes, avisando que era eu, deixando o telefone no avental para poder limpar a mesa. Conforme eu lavava a louça o celular tocou.

Era ele.

Eu atendi um pouco ansiosa, apoiando o telefone no ombro enquanto lavava a louça.

- Sen-hor Kento? Boa noite.

- Senhorita Nano, acredito que ja tenha provado o cheesecake. 

- Sim! Eu adorei, era tão macio. - Acrescentei animada. - Muito obrigada.

- Fico muito feliz que tenha gostado. Quer ir numa cafeteria especializada? Conheço uma muito boa aqui em tóquio. - Ele falou aquilo com certa naturalidade, mas eu sabia que era referente ao nosso possível encontro.

- Sério? Seria encantador. Ela é em Asakusa¹ mesmo?

- Em Shibuya, é fácil chegar de metrô. A senhorita ja andou no metro Tóquio?

- Na verdade não, ainda tinha um pouco de receio. 

- Estar junto comigo ajuda de algo? Queria lhe levar numa cafeteria francesa e talvez possamos olhar os crepes do Harajuku. O que acha? 

- Ajuda muito senhor Kento. - Confessei envergonhada, ele parecia satisfeito com a resposta. - Mas nunca comi um crepe do Harajuku, ainda bem que vou com você, aposto que pode me recomendar um muito bom. - Ele demorou um pouco a responder.

- Amanhã é sábado, se quiser, podemos ir depois do almoço. - Ele falou daquela maneira séria de sempre. Enquanto eu me matava para controlar minha empolgação. Os dois bairros em que iriamos eram muito comuns de se usar kimono, então eu não ficaria deslocada.

- Eu te encontro na estação? - Perguntei, já aceitando a proposta inteiro.

- Você escolhe. Se quiser, como somos da mesma região posso passar ai e acompanhar você. Não me sinto confortável de lhe imaginar andando sozinha.

- Bem... Eu não posso desmerecer as preocupações de um cavalheiro. Quer anotar meu endereço? - Nessa hora ele ficou em silêncio um pouco.

- Por favor, pode falar.

Lhe passei os dados do meu endereço com paciência, enquanto ele ficava silencioso.

- Vou voltar para minha hora extra, senhorita Nano. Amanhã estarei passando para lhe buscar. Estou ansioso para saber qual dos seus lindos kimonos escolherá para o nosso passeio.

- Obriga-da, senhor K-ento. - Eu gaguejei em vergonha. Aquele homem começou a ser galante, queria que eu soubesse suas intenções?

- Até amanhã, senhorita Nano. Estou ansioso para amanhã.

- Eu também, senhor Kento. 

E assim finalizamos a chamada. Com o coração a mil eu tentei tomar um banho antes de dormir. Pensando em como seria o dia seguinte. Nem consegui finalizar a louça que comecei a lavar, talvez o fizesse amanhã. Mas hoje eu ia deixar meu corpo relaxar e aproveitar os pensamentos sobre aquele homem. Seu olhar sério, sua expressão entediada e sua breve felicidade em comer doces o faziam mais atraente para mim.

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Enquanto isso, do outro lado de Tóquio uma voz serena fala:

- Precisamos de reféns para atrair todos os feiticeiros. Mas devem ser bens específicos, pessoas que eles não iriam ignorar. Vamos colocar nossos xamãs de olho neles.



Notas da autora:

1 - Asakusa é um bairro de tóquio mais afastado conhecido por ter algumas construções do período edo. 

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