Capítulo 6: As ervas do bosque

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"Parei-me no eu de ontem, porque acho que todos andam muito rápido. Sem perceber, eu cresci, como uma criança que se perdeu. Mas eu não ando como eles, apenas tropeço. Eu não sei o que devo ser, será que estou fazendo isso certo? – acho que deveria ter dado mais tempo para o eu do passado.

Não consegui dormir depois da festa, o medo do novo mundo me perseguia. Então passei o que restou da madrugada encarando o teto e permitindo que ele me encarasse de volta.

Ao amanhecer, eu levantei e lavei o meu rosto, deduzindo que como já era dia os corredores do Palácio estariam vazios, porém não fora isso me esperava.

Tive que passar pelo emaranhado de feéricos deitados sob o chão e escadarias. Alguns corpos bêbados e despidos ainda cantarolavam canções de escárnio bem baixinho, o que não é agradável tanto aos ouvidos quanto aos olhos.

Eu deveria estar habituada a esse tipo de cena, mas ainda assim, não consigo ter nenhum outro sentimento pela nudez a não ser repulsa.

Os guardas próximos continuavam em seus postos como se nada estivesse acontecendo, acho que estão acostumados.

Saio do Palácio meio afobada e noto um pontinho verde com pernas um tanto curtas um pouco à minha frente. Ele está carregando uma cesta quase do seu tamanho num dos braços.

Seria adorável passar um tempo com Foster enquanto escuto as suas histórias de druida, que bem sei que as tem guardado.

Acelero um pouco os passos até chegar próximo o bastante, o que não foi muito difícil já que ele possui meio metro de altura.

— Olá, Foster. Posso te fazer companhia?

— Aurora, seria um prazer! – o duende parece mais contente ainda do que a última vez que o vi.

— O que está fazendo? – digo enquanto pego a cesta de seu braço, que parece estar pesada demais para ele.

— Agradeço a gentileza. Estou indo colher ervas medicinais no bosque, o meu estoque de remédios está acabando. – Noto que em sua cesta há garrafas de vidro. Porém, pensando bem, não faz sentido haver curador, muito menos boticário neste reino. Os feéricos não morrem por doenças.

Ou será que estou enganada?

— Mas as fadas precisam de remédios? Vocês não são imortais? — Foster me olha de soslaio e parece não conseguir conter um sorrisinho que se forma em seus lábios verdes.

— E se eu te disser que, na verdade, os remédios que faço são para humanos, como você?

— Como assim? Desde quando vocês se importam com os humanos?

— Não é que nos importamos ou deixamos de nos importar. No entanto, o Conde Tepes, soberano da pequena corte de Valáquia, tem servos mortais, que residem em uma aldeia próxima ao seu castelo. E, como Auryn e Valáquia possuem um acordo comercial, o reino do sol oferece esses remédios para a corte vizinha, além de outros favores, e em troca Auryn tem acesso livre ao seu porto. — A voz de Vênus ecoa em meus ouvidos como um alerta que jamais deve ser ignorado: nenhum feérico estende a mão sem receber nada em troca. Não pense que somos gentis. No final, eles não são tão diferentes da minha gente.

— A menina não dormiu direito, não é? – Ele muda o rumo da conversa. O duende deve ter percebido o roxo ao redor de meus olhos causados pelo cansaço e a minha cara de morta-viva, no entanto, me admira ele ter notado só agora, já que carrego essas mazelas há muito tempo.

Seguimos o restante do caminho em silêncio. Adentramos o bosque, que fica um pouco distante do centro da cidade, onde o ar é úmido e os troncos das árvores são cobertos por limo.

No amanhã de alguémOnde histórias criam vida. Descubra agora