Eternal Darkness - LIVRO UM | WangXian

Capítulo Quatro: Com Um Longo Olhar, Escruto a Sombra

"Nenhuma quantidade de fogo ou frescor pode desafiar o que um homem armazenará em seu coração fantasmagórico." — F. Scott Fitzgerald, O Grande Gatsby.

Outubro de 1991.

Querido irmão,

A universidade vai indo muito bem. Estou cheio de livros e textos para ler, exatamente como você disse que eu ficaria — atolado —, e acho que estou no lugar certo. Não precisa se preocupar: eu estou me alimentando bem, apesar de nada conseguir superar a sua culinária, e eu sentir falta de sua comida quase diariamente.

A convivência com meu colega de quarto, Willem, mostrou-se profundamente agradável. Para sua melhor visualização, irmão, vou enviar junto à carta uma foto que tiramos juntos — a menina ao meu lado é Aisha AL-Rashidi, a melhor amiga de Willem e uma pessoa incrível. Ela é divertida, assim como Willem, e eles me fazem muito feliz. Willem apenas tem um hábito de se atrasar para quase tudo, mas acredito que ninguém pode ser perfeito no mundo.

Aliás, no exato instante em que estou escrevendo essa carta, ele está terminando um resumo que deveria ter feito semana passada.

Voltando ao assunto, irmão, como está o restaurante? E a casa? Por favor, espero que não esteja se sentindo muito solitário. E, por favor, não se preocupe comigo. Está tudo sob controle, e eu nunca fui tão cuidadoso quanto estou sendo em Glasgow.

Acredito que a comunicação por cartas é melhor do que o telefone, irmão. Mas você pode me ligar sempre, caso alguma emergência aconteça. Eu estou muito feliz aqui, e eu sinto muito sua falta.

Seu,

Lan Wang—

Antes que ele pudesse terminar os últimos caracteres da carta, Willem Ragnarsson xingou do outro lado do quarto — o que era a apenas dois metros da cama de Lan WangJi. O loiro estava esparramado na cama, papéis com textos variados ao seu redor e canetas na mão, assim como uma expressão de raiva e desconforto no seu semblante de sobrancelhas grossas e olhos grandes.

— Não dá pra escrever na cama! — Willem resmungou, puxando a tampa de uma caneta com a boca. — Eu acabei de borrar a porra do resumo que eu passei a tarde toda escrevendo. O professor Maximus vai me matar...

Lan WangJi tinha que concordar. Escrever na cama era muito desconfortável, ainda mais na posição em que estava. Ele passou a caneta pelos últimos caracteres do seu nome, e Willem, vendo, murmurou: — É incrível, sabia? Chinês é tão complexo, tão bonito, e inglês é... — Willem mostrou seu resumo. — Bom, é meio chato. Não tem muita animação.

— Depois que você se acostuma com uma língua, não é de se esperar que ela seja... animada.

— Eu sei, mas é que é a sua língua materna, não é? Se eu fosse aprender chinês, ou japonês, qualquer coisa nova sobre esse idioma ia ser inovadora. Entendeu?

— Mn.

Lan WangJi entendera. Willem tinha um ótimo ponto de vista em relação ao aprendizado de idiomas — algo que Lan WangJi não pensava muito sobre. A noite caía gloriosa lá fora num céu púrpura quase preto. As nuvens organizavam-se em formas escuras esparsas que mostravam as estrelas brilhantes como diamantes, e uma fatia da lua prateada iluminava o mundo em raios de prata...

A luz elétrica do quarto ajudava-os a enxergar melhor, mas a iluminação ainda era um pouco fraca para escrever à noite — algo que eles precisavam muito, e faziam com frequência durante essa primeira semana que passou.

Uma semana havia se passado, e entre as aulas com Zacharias, os livros lidos e as ocasionais visitas à biblioteca — Lan WangJi ainda tinha que explorar mais o ambiente —, ele se sentia cada vez mais... pertencente a Glasgow. Era como se a universidade fosse uma casa nova, e ele um novo morador; a cada passo, a cada noite e a cada movimento, Glasgow adaptava-se a ele — ou ele à universidade.