Capítulo Doze: Retiros Sepulcrais

389 58 27
                                    

"Das sombras irreais da noite volta a vida real que conhecíamos." — Oscar Wilde.

As nuvens cinzas cobriam o céu como um véu, obscurecendo os raios de sol sobre a lápide de pedra enfiada na terra escura como a noite — a lápide de Aisha Al-Rashidi. As árvores ao redor do cemitério balançavam-se em uma sinfonia silenciosa, arrastando folhas e terra e balançando as bordas do sobretudo de Lan WangJi, assim como alguns fios de cabelo sobre seu rosto. Ele não tinha forças para afastá-los. Quem fazia isso era seu irmão, que de vez em quando, enfiava uma mecha de cabelo atrás de sua orelha em um gesto carinhoso, aliviando a tensão e dor que sentia ao ver sua melhor amiga sendo enterrada naquela sexta-feira pálida e triste.

Os arranjos para o funeral foram todos feitos por Lan XiChen, que chegara em Glasgow no mesmo dia em que ele e Lan WangJi se falaram pelo telefone. XiChen alugara um quartinho numa pensão perto da universidade, e então, conduziu tudo o que fora necessário para o enterro de Aisha: assinou os papéis, tomando posse como responsável dela, assinou papéis da funerária e pagou com o próprio dinheiro por flores, pelo caixão e por todas os últimos cuidados que o corpo merecia.

Lan WangJi havia acordado naquele dia temendo o pior — uma sensação terrível consumindo seu peito, ou pensamentos tenebrosos —, mas tudo o que lhe preenchia era uma terrível sensação de impotência. Impotência por não conseguir fazer nada enquanto via alguém que amava ser reduzido apenas a um caixão sob a terra. Era isso que a vida era? Era sobre isso que significava viver?

Passávamos a vida inteira escolhendo pessoas para acompanhar o seu fim, fosse em brasas ou abaixo de metros de terra?

Haviam poucas pessoas no enterro. Era no cemitério municipal de Glasgow, uma extensão enorme de grama verde-pálido, árvores enormes e lápides de pedra acinzentada — algumas desbotadas e outras tão novas, como a de Aisha, que brilhavam ao sol fraco —, como guardas sombrios sobre a terra. Um círculo de pessoas estava ao redor do túmulo dela, o buraco na terra negro e obscuro como a boca de um monstro prestes a engolir sua presa. Três funcionários do cemitério desciam o caixão preto e brilhante em direção a terra por cabos amarrados nas pontas, tão lenta e cuidadosamente...

— Ela não faria isso — Willem murmurou, pela décima vez desde que chegaram ao cemitério. Ele estava de braços cruzados, parecendo querer sumir em si mesmo, o cabelo loiro caindo sobre os olhos em cachos desfeitos e sem brilho. Ele estava do outro lado de Lan WangJi, vestindo um sobretudo preto que o deixava mais pálido, e seu cabelo, mais destacado. As suas íris azuis estavam permeadas por gavinhas vermelhas; de raiva, de dor ou de tristeza. — Você sabe que ela não faria isso.

Lan Wangji queria dizer que não, ele realmente achava que ela seria capaz disso, porque, conhecemos mesmo as pessoas? Em momentos como esse, percebemos que fomos cegos durante tanto tempo que, apenas ao perdermos, temos noção de que não a enxergamos de verdade. Mas... Lan WangJi não conseguia mais dizer. A finalidade de ver o caixão descendo em direção à terra lhe deixava com outra impressão sobre o peito.

Desconfiança.

Teria Aisha realmente feito isso?

— Eu não sei, Will — Lan WangJi sussurrou, fitando a terra, os conhecidos de Aisha, seus amigos da Sociedade de Shakespeare. — Não podemos supor nada. Não assim. Não existe nenhuma prova de que... ela não tenha feito isso sem a própria vontade.

Willem balançou a cabeça em negativa.

— Não. Algo aconteceu. Não interessa se não a conhecemos direito, ou algo assim. Eu teria visto os sinais. Você teria, também — E então olhou para ele com aquele olhar de eu-sei-o-que-você-passou, o qual sempre recebia de Willem, de seu irmão, de qualquer pessoa que sabia o que Lan WangJi tinha feito, quando aquele tipo de assunto vinha à tona. — Podemos não ser os mais inteligentes no que tange a isso, mas tenho certeza que algo além aconteceu aqui. Pensa um pouco: logo quando descobrimos a importância das EQMs para a Sociedade Clássica, isso acontece? Logo quando descobrimos qualquer coisa?

Eternal Darkness - LIVRO UM | WangXianOnde histórias criam vida. Descubra agora