02. Abismo

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(?)

Não estou na praia de Botafogo. A brisa do mar foi silenciada, a maresia simplesmente despareceu. Estou nos braços de alguém, e algo felpudo e quentinho me protege do frio. O ruído surdo de algo (o motor de um carro, talvez?) é o único som que consigo ouvir.

Eu o tinha encarado, o grande e acolhedor abismo da morte. Era azul, profundo e continha a promessa: acabarei com todas as suas dores. Eu senti as pedras geladas nas solas dos meus pés, e cada passo era carregado; como se meu corpo soubesse o que estava prestes a fazer e tentasse me dissuadir da ideia.

Ao encarar a morte com meus próprios olhos, confesso que vacilei. Sentei-me e me questionei se era aquilo mesmo que eu deveria fazer. A resposta foi óbvia, curta e grossa: sim.

Então me pus de pé. Nos redutos da minha consciência, um fio de instinto de sobrevivência sofria, ainda tentando em vão me convencer a não me jogar. Olhando para as ondas quebrando lá embaixo, quase fui capaz de ouvir os gritos de "pule" a cada espirro de água.

Foi quando os rapazes me chamaram.

Eles me falaram coisas como "vai ficar tudo bem" e que me ajudariam. O pouco de bondade que ainda existe nos homens deve ter soado o alarme neles, que se prontificaram a me impedir. E meu coração doeu de verdade ao reparar naquilo, que dois estranhos viram uma também estranha prestes a dar cabo de tudo, mas se importavam.

E eu queria dizer isso a eles, que eu sentia gratidão. Mas um grama desse sentimento altruísta não era nada comparado ao peso esmagador e opressivo do vazio que me consumia há anos. Então não havia absolutamente nada que eles ou qualquer outra pessoa pudesse fazer. Era o fim.

Claro que não disse nada. Eu não conseguia falar há algum tempo, também. Mas e daí? Eu iria morrer e não teria que lidar com o remorso de não ter lhes explicado.

Bom, mas eu não estava morta. Meu corpo, pelo menos, ainda estava inteiro. Oxigênio entrava nos meus pulmões, e a dor nos meus cortes recentes era bem real. Murmurei algo sem sentido enquanto era levada pelas sensações, e o homem que me carregava olhou para mim, aflito. Uma de suas mãos foi até o meu cabelo e me acariciou gentilmente.

Acabei adormecendo.

Ainda Não AcabouOnde histórias criam vida. Descubra agora