06. Viva?

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(?)

O moço chamado Gavin saiu, deixando-me sozinha no banheiro. Era absurdamente limpo e imaculado. Um homem como aquele provavelmente não fazia tarefas domésticas, mas não tinha visto nenhum empregado, ainda. Talvez ele tenha os dispensado por ter me abrigado. Sim... Ele deveria ter nojo de mim, do meu cabelo, das minhas roupas.

Devagar, comecei a me despir. Estava usando aquelas roupas há uma semana, mês, década; era difícil dizer. Em momento algum senti o impulso de trocá-las ou mesmo me limpar. Afinal, era indigna de coisas como aquelas. Me sentia tão imunda por fora quanto por dentro.

Joguei as roupas no cesto, como ele me pediu. Não consegui olhar para baixo, para o que havia restado do meu corpo. Eu tinha muita vergonha do que haviam feito com ele, mas eu também o maltratei severamente. Uma carcaça vazia: essa era eu. Alguém que já tivera vontade de viver, mas agora mal podia esperar pelo abraço da morte.

A interferência de Gavin e Donovan foi um choque. Eu estava determinada a morrer, e mesmo assim eles me trouxeram pra cá. Queriam cuidar de mim - até onde eu sabia. Porque dois ricaços estrangeiros se importariam com uma coisa tão insignificante como eu?

Eles eram muito diferentes fisicamente. Donovan era um pouco mais alto, com a compleição mais robusta, pele negra e olhos negros como ônix. Gavin não era exatamente forte, mas também não era magro demais. Tinha a pele levemente bronzeada, provavelmente por ter passado tempo demais no sol das praias brasileiras, o cabelo louro-mel e olhos claros como safiras.

Amigos americanos que vieram para cá prosperar e esfregar na cara de todos que eram muito felizes, ricos e jamais passariam por qualquer tipo de problema que não pudessem comprar a solução.

Entrei na banheira.

A água estava quente e turvou a imagem da extensão destruída do meu tronco, braços e pernas. No móvel ao lado, assim como prometido, estavam os componentes de limpeza. Estendi a mão para o sabonete líquido cor de hortelã, mas não o peguei. Abaixei a mão.

Não fazia sentido.

Tomar banho? Cheirar bem? Porque me dar o trabalho? Isso alterava algo na minha vida? Isso mudava o curso de alguma coisa?

Não era tão tola. Sabia que uma vez que a Morte te escolhe, por mais que fuja, você não escapa. E eu tinha um alvo gigante pintado em vermelho nas minhas costas. Não havia escapatória.

Olhei mais uma vez para a água.

Todos os sons do mundo sumiram instantaneamente.

O líquido não estava transparente, mais meio amarronzado. Da sujeira que se prendera a minha pele nos últimos dias, sim, mas também de sangue seco.

Ergui as mãos novamente e reparei nas unhas. Estavam lascadas, irregulares e com indícios marrons em suas pontas.

Um impulso forte começou a surgir na minha mente. Meu coração batia cada vez mais rápido, e logo era o único barulho que eu conseguia escutar. Os dedos se flexionaram, como se fossem agarrar alguém.

O problema era que a presa... Era eu.

Problema? Isso não era um problema.

Eu era um problema.

Eu não deveria existir. Deveria estar morta. Meu corpo deveria estar boiando no mar, provavelmente sendo encontrado por um banhista sem noção que não ligava para as péssimas condições de higiene do local.

Aquilo tinha que ter um fim. Eu me recusava a permanecer viva.

Me recusava.

Me recusava.

Eu.

Me.

Recusava.

Ainda Não AcabouOnde histórias criam vida. Descubra agora