15. Banho

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(?)

As últimas horas foram enevoadas, assim como os últimos anos, mas por um motivo completamente diferente. Dessa vez eram os analgésicos que me apagavam, e eu passava a maior parte do tempo dormindo. Entre um cochilar e outro, percebi que havia uma outra cama quase do meu lado. Era uma espécie de poltrona reclinável muito confortável, devidamente afofada e limpa. E sob ela, encolhido e coberto por causa do ar condicionado, estava Gavin.

O amigo dele, Donovan, não voltou. Mas imaginei que estivesse ocupado com a empresa deles, já que de acordo com o próprio Gavin, era principalmente a ele que todos lá se reportavam. Mas meu coração ainda estava aquecido com as palavras dos dois. Será que o homem dos olhos escuros e expressão suave havia entendido o meu gesto de ontem?

Eu mesma havia sido pega de surpresa com minha atitude. Não conseguia me importar o suficiente com as emoções e entendimento de outras pessoas, então deixava que elas pensassem o que quisessem sobre minhas condições físicas e mentais. Seu julgamento era algo que havia passado o tempo todo, e já não fazia sentido tentar me justificar. Mas eu olhava para aqueles americanos endinheirados, sentindo raiva a princípio de suas vidas ganhas, mas enxergava empatia real em seus atos. E fazia muito tempo em que eu não via isso.

Gavin era abertamente chorão, e não tentava esconder. Ele prestava atenção em cada detalhe da minha expressão facial, gesto, tudo. E aqui estava ele, trocando o conforto de uma possível cama king size e travesseiros fofos da Suécia por uma poltrona de hospital.

Para me fazer companhia. Ele sabia que eu provavelmente piraria (mais do que eu já havia pirado) num lugar como este.

Cheguei a comer em algum momento do dia ou da noite, não sei dizer. Dei poucas colheradas no arroz com legumes, mas bebi bastante suco de mamão. Gavin o tempo todo me incentivava a comer, e me parabenizava silenciosamente quando conseguia mastigar e engolir. Ele não me tocou em nenhum momento, apenas se aproximava daquele jeito dele, às vezes com os dedos a centímetros dos meus. Mas ele já deveria ter mesmo entendido que não queria toque de qualquer pessoa no mundo. Aposto uma bala que, a essa altura, Donovan também.

A hora de tomar banho que foi um pouco mais complicada. Uma enfermeira que se apresentou como Beatriz disse que iria me ajudar. Ela apontou para uma porta que levaria ao banheiro. Disse também que Gavin poderia ir junto, já que era o meu tutor. Achei a palavra engraçada em algum lugar do subconsciente, mas não o suficiente para esboçar riso. Então olhei para ela e para a porta, suspirando de resignação.

Eu não iria me afogar novamente. Por razões terrivelmente óbvias, acho que nunca mais poderia chegar perto de uma banheira.

Saí da maca. Estava vestindo aquelas roupas de hospital horríveis, e lembrei que as havia vestido em algum momento entre os meus apagões. As lembranças estavam todas confusas. A enfermeira se aproximou para me ajudar, mas antes que eu precisasse fazer qualquer coisa, Gavin interveio:

— Espere.

Beatriz olhou para ele, esperando, e o louro veio até mim suavemente como sempre.

— Você consegue andar sozinha até lá?

Eu conseguia. Já tinha firmeza o suficiente nos pés. Acenei bem sutilmente.

— Tudo bem. Não vamos tocar em você, apenas te vigiar. E prometo que te darei a privacidade necessária. Consegue tomar banho sozinha?

Tremores ligeiros se apoderaram das minhas mãos, mas acenei novamente.

Para provar a ele, comecei a andar devagar porém sem oscilar até a porta imaculada. Virei a maçaneta e achei um box simples com chuveiro e portas de vidro fosco temperado, ou o que parecia ser. Olhei para cima. A temperatura do chuveiro estava em "inverno". Um banho quente na frente de uma estranha e Gavin. Não que Gavin não fosse um estranho...

— Posso ajudar a despi-la? — perguntou Beatriz.

Totalmente sem forças para fazer algo, eu simplesmente esperei até que ela viesse. Seus dedos às vezes encostavam na minha pele e eu ouvia as vozes e sentia as coisas. Mas não deixei transparecer. Gavin estava à porta, de costas, respeitando o meu corpo como disse que faria. E sei que ele só sairia de lá caso algo muito ruim acontecesse.

Ele realmente se preocupava comigo. Não sabia o que fazer com essa informação.

O desejo de morrer ainda permanecia, mas o estranho é que eu não queria fazer isso perto dele. Bom, nem dele nem de Donovan. E isso era mais esquisito do que qualquer outra coisa, já que como havia dito, eu não conseguia mais me importar com o peso do julgamento das pessoas. Mas eu sentia que os dois homens não me julgavam, mas se colocaram no meu lugar. Tinham recursos o suficiente para me internar em algum hospício, mas preferiram interceder pessoalmente. Suas palavras doces não pareciam ensaiadas ou mecânicas. Vinham do coração.

Já despida, a enfermeira ligou o chuveiro enquanto eu entrava no box. A água começou a cair nas minhas costas e eu sentia as gotas lambendo a minha pele. Uma breve neblina se fez devido a temperatura.

Então Beatriz apontou para os produtos de limpeza. Olhei pra ela. Obviamente ela já deveria saber sobre o meu estado, já que não parecia horrorizada com os cortes e cicatrizes que tomavam conta de toda a minha extensão, tampouco a magreza. Ela só me observava com educação e assertividade, como se quisesse me passar segurança e até um pouco de autoridade.

Comecei a me limpar. O cheiro de lavanda de sabonete adentrou em minhas narinas e deixei um suspiro sair sem querer. Gavin olhou para o lado, deixando seu perfil bem a vista. Então deu um pequeno sorriso de incentivo, ainda sem olhar para trás, e voltou a encarar o quarto vazio.

Comecei a ensaboar o pescoço, pernas, braços e o que consegui alcançar nas costas. Também fiz o melhor para limpar minhas partes íntimas. Me enxaguei rapidamente, e enquanto fazia isso, Beatriz estendeu a toalha branca e felpuda que estava pendurada na parede e a estendeu para mim.

Segurei a toalha com as duas mãos, encarando-a. E então comecei a me secar. Quando reparei que não haviam outras roupas para vestir, ouvi Gavin murmurando alguma coisa enquanto fechava a porta. Então ouvi outra voz, provavelmente a de algum outro enfermeiro. Segundos depois, ouço ele batendo na porta e dizendo para Beatriz que a nova muda chegou.

A enfermeira entreabre a porta, agradecendo, e vai estendendo peça por peça na minha direção a medida que me visto. Essas, pelo menos, são mais grossas e quentes do que as outras.

Banho acabado, finalmente saímos do banheiro. Beatriz olha para mim, ligeiramente satisfeita ou algo assim, e faz apenas uma pequena observação quanto ao meu cabelo, ainda embaraçado e preso num coque frouxo. Gavin intervém.

— Fui eu que prendi o cabelo dela. Acredito que possamos desembaraçar depois, quando ela estiver disposta.

Volto para a maca silenciosamente e me deito. Os dois ainda conversam, mas a letargia está voltando com força total e eu não quero ouvir suas palavras. Então minha mente se esvazia e eu simplesmente não estou mais lá.

Falta pouco para eu receber alta. Alguma hora não haverão paredes brancas, câmeras e pessoas vestidas de branco impedindo uma nova tentativa.

E isso não é um agouro ou maldição. É simplesmente um fato.

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⏰ Última atualização: May 31 ⏰

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