08. Quase tragédia

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Naquela hora, toda a culpa do mundo recaiu sobre os meus ombros, e o choro que eu havia contido veio à tona. O mais rápido que minhas pernas trêmulas permitiram, eu a tirei da banheira.

Ela não estava respirando.

Notei que seu peito, pescoço e braços estavam mais machucados que antes. Havia gotas de sangue em alguns deles. Ela se machucara durante o banho em algum momento.

Comecei a reanimá-la do jeito que fui instruído no meu curso de enfermagem, que havia feito por tédio num passado relativamente distante, mas que agora se mostrava a coisa mais útil que eu já havia aprendido. Seu rosto lívido não apresentava nenhuma reação. Comecei a chorar mais alto.

Então um som de engasgo saiu de sua garganta. Seguindo a risca os ensinamentos, coloquei-a de lado. Ela engasgou mais ainda e começou a cuspir água, muita água. Vê-la se debatendo e urrando em busca de oxigênio foi uma das coisas mais horríveis que presenciei em toda a minha vida. Eu segurei sua cabeça, para que ela não batesse no chão, e agradecia silenciosamente a todas as forças sobrenaturais e poderosas que tomavam conta do mundo por terem me permitido salva-la pela segunda vez.

Respeitosamente, sem sair do lugar, estiquei o braço para o roupão e coloquei em cima dela para cobrir sua nudez e livrá-la do frio.

As palavras que eu havia dito para Donovan rodeavam minha mente. Ela havia mesmo tentado continuar em frente com o suicídio.

Enquanto a menina estremecia, já conseguindo respirar, tomei uma decisão. O café da manhã teria que esperar. Ela precisava de um hospital.

Silenciosamente peguei-a no colo e olhei para ela. Meus olhos ardiam muito por causa das lágrimas, e eu não tentei escondê-las.

Ela não me olhou de volta. Acho que nem enxergar direito estava conseguindo.

Levei-a para o quarto e fiz o melhor que pude para vesti-la sem assustá-la. Prendi seu cabelo molhado num coque e a calcei com um par dos meus chinelos. Ficaram um pouco grandes demais, mas eu compraria outros. Gastaria o dinheiro que fosse necessário para que ela nunca mais, nunca mais tentasse aquilo de novo.

Deitei-a. Ainda não fazia contato visual comigo, mas permanecia com aquela expressão vazia.

— Eu... — comecei, pigarreando logo em seguida. Minha voz estava terrivelmente falha. — Vou levar você ao médico agora. Podemos comer no hospital.

O que se diz para alguém que acabou de se afogar numa banheira? O que se diz quando se é a pessoa que a evitou de conseguir o que queria? Será que ela me odiava por eu tê-la salvo? Meus dedos ainda tremiam muito. Eu jamais esqueceria daquilo, nem em um milhão de anos.

— Vou trocar de roupa bem rapidinho, eu prometo. Está tudo bem. Já volto.

Deixei a porta bem aberta dessa vez. Subi correndo as escadas até meu quarto para pegar uma muda de roupas, me vesti mais rapidamente ainda e voltei. Como eu pensei, ela permanecia deitada. Não havia se movido um único centímetro.

O som da torradeira fez "plim". Corri até a cozinha para pegar as torradas, espalhando as fatias em um prato aleatório em cima da mesa. Retornei para o quarto de hóspedes. Meus tremores haviam diminuído, mas dentro da minha mente, se eu piscasse errado, ela poderia colapsar novamente e se matar diante dos meus olhos. Me aproximei devagar de sua forma inerte.

— Eu vou levá-la agora. Vou precisar te colocar no meu colo.

Seus olhos se arregalaram. Eu continuei:

— Você acabou de... De se afogar e está muito fraca — as palavras saíam com dificuldade. — Não sei quanta água você engoliu. Os médicos podem fazer um exame mais detalhado. Vou te levar para o mesmo hospital que frequento há seis anos. Eles vão cuidar de você.

Vi seus dedos agarrando os panos da cama. Segundos de tensão.

Cheguei um pouco mais perto. Falei o mais calmamente que pude:

— Vou estar com você o tempo todo. Não vai estar sozinha.

Como se eu houvesse dito as palavras mágicas, ela me olhou diretamente. Arquejei ao enxergar cada detalhe do seu rosto, o quão em pânico estava. Queria muito abraçá-la, mas não podia. Então só a olhei de volta.

Estendi os braços para pegá-la, esperando por resistência. Ela retesou o corpo, mas não fez menção de se afastar. Nem sequer deveria ter forças para tentar.

Uma vez no meu colo, a menina soltou um murmúrio de dor. Senti novas lágrimas despontando ao dizer a ela:

— Vai passar. Vai passar.

Ainda Não AcabouOnde histórias criam vida. Descubra agora