14. Limpeza

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(GAVIN)

As última horas foram tensas e estressantes, como as que antecedem uma reunião de emergência. Eu sempre detestei as convenções em que minha presença era obrigatória. Durante cinco horas ininterruptas (que mais pareciam cinco anos na minha mente), eu precisava me tornar o CEO magnata, brilhante e glamouroso que todos queriam ver. Sorria para as câmeras e para os outros empresários, tomava bebidas importadas e beliscava alguma iguaria. Então conversava avidamente sobre os negócios e fazia de tudo para não parecer mortalmente entediado.

Não sou um hipócrita. Jamais direi que ter muito dinheiro não era um conforto absurdo e que ser herdeiro era uma sorte, não um sucesso. Eu poderia ter nascido, por exemplo, como alguém pobre e sem acesso a educação. Então olharia para esses bilionários e cuspiria neles, principalmente se pudesse vê-los nessas reuniões cujo maior entretenimento era tirar vantagem do lucro mínimo que obtinha por ano em seus ramos, quaisquer que fossem.

Mansões suntuosas com empregados e camareira nunca foram minha praia. A casa dos meus pais era assim, com funcionários mudos e bem vestidos que falavam baixinho com os patrões e os serviam ágil e delicadamente, quase nunca olhando para a frente ou para a cima, mas para baixo. Choffeur, babá, cozinheiro chef, jardineiro; tudo isso eu abominava. Eu acreditava de verdade que um homem ou mulher adultos devem ser responsáveis pela limpeza e manutenção de seu lar. E ficava difícil limpar um lugar de quinze cômodos sozinho. Então optei por comprar duas casas, uma na cidade e outra no interior do RJ; ambas limpas e arrumadas uma vez por semana por empregados, das quais só me hospedava em casos específicos. No entanto, optando por mais simplicidade, aluguei um apartamento. Donovan resolveu seguir a ideia.

Assim que terminei de comer, comecei a organizar melhor o apartamento. Chaves e cadeados que podiam prendê-la em algum cômodo foram devidamente descartadas. Me livrei de possíveis objetos pontiagudos e afiados, como as facas de cozinha, que agora ficavam em uma gaveta específica com uma pequena tranca (essa era a única que permaneceria). Assim que dei uma geral no quarto de hóspedes, sala, área e cozinha, fui ao banheiro.

Na pressa para sair, havia esquecido de esvaziar a banheira. Ver toda aquela água suja de sangue me causou um mau estar terrível, mas respirei fundo e comecei o trabalho de deixar tudo limpo.

Fiquei imaginando se ela já havia acordado, se tinha comido algo. E como faríamos na hora de dar banho nela.

Pensei em seu corpo pequeno e magro, repleto de manchas e cortes. Ela estivera muito perto da desistência total, e aparentemente ainda estava. Mas Donovan dissera que ela o agradeceu. Pelo quê, exatamente, não havia explicado. Mas só de saber que ela estava sã o suficiente para compreender o que se passava, já era um incentivo a mais para lutar por ela.

Eu não me importava se tivesse que falar com ela detalhadamente, me aproximando com cautela e fazendo o máximo para não tocá-la. Só queria que ela ficasse bem. E isso a longo prazo era uma probabilidade real. Donovan estava aí para provar que, embora terrível e arrasadora, a depressão tinha um tratamento. E eficaz.

Então era isso. Por tempo indeterminado, ela estava sob nossa tutela. E faríamos de tudo para que se recuperasse daquele pesadelo sombrio que a arrastara para uma praia numa noite fria e atipicamente deserta do Rio.

Arrumação da casa terminada, desci e fui em direção ao estacionamento. Disse ao Donovan que iria permanecer com ela no hospital, e era isso o que eu faria.

Que Deus a ajudasse.

Ainda Não AcabouOnde histórias criam vida. Descubra agora