n o v e

61 18 6
                                    


Os raios amanteigados beijam a minha pele quente e suada, o vento ameniza o impacto do calor, mas não o suficiente para que eu não me ofereça uma boa camada de protetor solar.

— Vamos montar a tenda aqui. — Tresh para ao meu lado. Seus cabelos voam junto do vento.

— Trouxeram uma tenda? Vocês vieram preparados, hein.

— Eu tenho avó brasileira, lá as pessoas levam bebida, comida e tudo que puderem para aproveitarem a praia por mais tempo. Aprendi com os melhores. — dá de ombros.

— Você é meio brasileiro? Nunca imaginaria!

— Isso já te faz ganhar pontos comigo. Você não é uma Karen que acha que todo preto é imigrante. — ele sorri e eu solto uma leve gargalhada em resposta.

— Eu definitivamente não esperava encontrar um paraíso desses. A areia é tão diferente. — calço os dedos nos grãos finos e soltos do chão.

— Sim, esse foi um dos motivos de eu gostar daqui. Nosso país que me perdoe, mas praias de cascalho, pedra ou areia dura simplesmente não são praias. Eu me lembro de casa nesse lugar. — ele encara o mar azulado.

— Mora aqui há quanto tempo? — ele me encara com o semblante surpreso — É que você disse "casa". Nasceu no Brasil?

— Sim. Minha mãe veio para cá com vinte e um anos tentar a vida, o Brasil não era um país muito bom para se estar nos anos oitenta. Ditadura. — explicou.

— Ela tem quantos anos?

— Agora tem sessenta, e sinceramente, você a olha e nem mesmo percebe.

— Ela é ativa?

— Não para se eu não a obrigar a descansar. É um exemplo de pessoa. — sorri.

— Parece gostar muito dela. — sorrio.

— É a minha mãe, quem pode não gostar da própria mãe? — ele me encara.

A pergunta me atinge mais profundamente do que deveria. Quem pode não gostar da própria mãe? Eu. Trocaria toda a minha história com Jack por alguns dólares e uma vida de esquecimento sem nem mesmo barganhar.

— Nem todas as mães são legais, infelizmente.

— Ainda assim são nossas mães, devemos honrar nossos pais. — ele diz.

Sua afirmação me incomoda.

— Você é cristão? — a curiosidade me atinge.

— Sim, fica meio óbvio. — dá de ombros.

— Mas...

— Eu sou gay, eu sei. — ele sorri. — Eu tento não pensar nisso, sabe? Só quero ter paz e uma boa vida.

Sorrio entre os dentes, não porquê acho ruim a sua escolha religiosa, e sim porque eu sei bem o que é querer se encaixar e mesmo querendo, não fazer parte de algo.

Ser uma pessoa fora do padrão me retirou de várias situações cotidianas para todas as pessoas ao meu redor. Eu não tive direito a me apaixonar, ser retribuída, desejada ou sequer ser beijada. O pior é que no fim, isso foi 0,1% de tudo que eu perdi sendo uma jovem mulher gorda.

Quantas festas perdi? Idas à praia ou piscina? Viagens escolares ou esportes? Eu poderia ter sido a mais popular do colégio, a que adora maquiagens e moda, a mais inteligente ou até mesmo líder de torcida. Poderia ser completamente diferente do que sou hoje, e sei que isso tudo me foi tirado simplesmente por vestir cinquenta e quatro.

É patética a maneira que essa sociedade é comandada por números que deveriam definir apenas a matemática.

Pessoas não deveriam ser reduzidas a unidades de medida.

Ódio a Primeira VistaOnde histórias criam vida. Descubra agora