10.1 - Cada Mergulho é Um Flash

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     Por um instante, Cornelius permaneceu paralisado pela realidade assustadora que havia lhe envolvido. Durante quatro anos, Ed fez de tudo para impedir os planos malignos de seu irmão mais novo, e agora Leonard tinha conseguido superá-lo de alguma forma. A saudade que ele sentia dos amigos se converteu num medo carregado de preocupação, agora ele havia percebido que nem Ed nem July haviam lhe escrito cartas durante sua ausência, e isso o fez imaginar todas as mais terríveis possibilidades.

     Então, Cornelius percebeu o peso de seu envolvimento naquela trama macabra. Ele ainda não sabia o que tinha acontecido com seus amigos, mas já imaginava o pior e voltar para Newdawn foi como mergulhar de cabeça na armadilha do inimigo. Leonard viria atrás dele alguma hora, isso ele tinha certeza, mas por enquanto era preciso agir e tentar entrar em contato com Ed para entender o que aconteceu e como tudo deu errado. Mesmo amedrontado, Cornelius juntou sua bagagem e correu pela avenida em busca de um táxi.

     No caminho para casa ele percebeu duas coisas. A primeira é que Newdawn havia perdido um pouco do seu brilho. A intensa movimentação da cidade deu lugar a caminhadas apressadas em meio a marcha rítmica dos soldados de Leonard. Era estranho não ver tantas pessoas nas ruas como antigamente, tudo agora parecia mais triste, quase morto. Porém, grande parte da população parecia aprovar essas novas mudanças políticas da sociedade, concordando com discursos tragicômicos que exaltavam a nação alada como uma entidade, e diziam que agora o cidadão de bem poderia andar despreocupado, sem ter medo da criminalidade, além de outros falsos benefícios provindos da silenciosa opressão. Esse foi o segundo aspecto percebido por Cornelius, enquanto ouvia as palavras orgulhosas do motorista do táxi reagindo favoravelmente a um discurso de Leonard no rádio.

     — A quanto tempo tá assim? — Cornelius perguntou enquanto gravava o discurso numa fita cassete — Esses pronunciamentos ocorrem todo dia?

     — Já faz alguns dias, e eles reprisam esses discursos algumas vezes por dia, umas três — O motorista, um gordo calvo, comentava — Agora tá bem melhor, não tem mais aqueles piratas vagabundos fazendo merda por aí e nem aqueles malandros comunistas que ficam zanzando por essas bandas — Cornelius olhou pela janela do carro, observando as redondezas do seu bairro, na tentativa de mascarar a inquietação promovida pelo medo. Os locais antes cheios de vida agora estavam vazios, abandonados nas garras daquele nefasto sistema. A única movimentação perceptível era a dos soldados patrulhando as ruas — Ninguém pode falar mais nada, tudo vira motivo pra chororó! Essa geração tá perdida mesmo!

     Após o desembarque, Cornelius arrastou sua bagagem para dentro de casa. Ele jogou a mala num canto da sala e colocou cuidadosamente a caixa sobre a mesa onde, supostamente, deveria estar o corpo robótico de Roza, eufórico demais para perceber que por baixo da manta agora tinham peças metálicas espalhadas na tentativa de simular o volume anterior. Ao olhar em volta, Cornelius percebeu que havia esquecido seu comunicador em casa, jogado no sofá, e ao pegar o aparelho descarregado, ele percebeu que sua casa estava sem energia. Pelo menos ele não havia esquecido de desligar a transmissão.

     Cornelius abriu as portas de um armário na cozinha, abrindo uma passagem oculta na parede para o porão de sua residência. Em seguida, encontrou uma lanterna nos fundos de uma gaveta, mas ao lembrar da origem das baterias elétricas do utensílio, optou por acender uma vela no bom e velho castiçal. Com cuidado, ele desceu as escadas íngremes de madeira e explorou a escuridão do cômodo secreto, tateando nas paredes em busca do painel geral da casa, com apenas a diminuta chama como orientação. A transmissão de energia foi restabelecida quando as chaves-gangorra foram encontradas. De volta à superfície, ele colocou o comunicador para recarregar e correu para fora de casa, acreditando que encontraria respostas nos jornais depositados na sua caixa de correio.

Coração a VaporOnde histórias criam vida. Descubra agora