6 - Detidas

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Holland

Miley está sentada do meu lado, seu olho direito contornado por um inchaço vermelho começando a escurecer. Está tão fofa, seus cabelos curtos estão amarrados no topo da cabeça em uma maria chiquinha espetada pra cima - foi Ryan quem os prendeu, antes de ser escoltado, junto com sua irmã, para a sala do delegado a nossa frente. Segundo ele, devemos deixar nossos hematomas aparentes nas fotos para registro da delegacia.

Me inclino e deposito com cuidado um beijo sobre o olho de Miley, que quase não fica aberto. Em resposta, ela acaricia meu braço, esboçando um sorriso carinhoso que acalenta meu coração. Um beijo em seu dodói; é o que minha mãe fazia comigo e a primeira vez que faço o mesmo em alguém.

- Qual seria a melhor cidade para tomar café da manhã? - sussurro perto de sua orelha, voltando ao jogo que ela inventou para nos distrair. Posso notar suas bochechas corarem suavemente. Tem um tempo que percebi que essa região é sensível para Miley, e é claro que adoro usar isso a meu favor, mesmo em uma situação como está, o que só deixa tudo mais divertido.

- Paris!

- Já esteve em Paris? - pergunto, tão entrosada que quase me esqueço de onde estamos.

- Algumas vezes. Na verdade, entre os meus 10 e 13 anos, minha mãe cismou com a ideia de que eu seria modelo e me levou a todos os tipos de desfiles que se pode imaginar, alguns deles em Paris - solta um riso travesso - Consigo imaginar a cara dela me vendo com o rosto desse jeito - ri satisfeita.

- Consigo te imaginar como uma modelo, também consigo te imaginar como uma cantora famosa. Na verdade, consigo te imaginar sendo muitas coisas grandiosas - brinco com a algema em seu pulso enquanto ela faz o mesmo comigo. Estamos algemadas no banco de metal no qual estamos sentadas, meu pulso direito e seu pulso esquerdo, como se fôssemos delinquentes preparadas para fugir e viver fora da lei como "Thelma e Louise".

- Seu rolê de fim de semana foi bem diferente dessa vez, né?

- Pois é, eu costumo acordar arrependida na casa de um boyzinho lixo aqui e ali, agora dei um upgrade, tô na delegacia sem arrependimento nenhum.

- Costumava - ela me corrigi - Se depender de mim, você nunca mais vai sequer pisar na casa de um boyzinho lixo novamente.

- Então vou ter que jogar todas aquelas chaves fora.

- Espera aí? - me olha espantada - Aquele molho de chaves enorme e pesado, são chaves dos caras que você pegava?

- Nem todas, Miley - respondo, fazendo pouco caso da situação porque realmente não significa nada - Relaxa.

A delegacia fica no centro da cidade, alguns quarteirões de distância do local palco do protesto pacífico. É a maior em que já entrei, com portas giratórias, detectores de metal, policiais por toda parte conversando ou tomando café, e todos extremamente desagradáveis. Um ou outro destoou em um sorriso discreto por conta de alguma conversa aleatória, mas a maioria é de mau encarados fardados. Será que manter cara de cu faz parte do treinamento?

- Sua vez de perguntar, Mi - incentivo, mudando o rumo da conversa.

- Você já foi a Paris? - pergunta, depois de me encarar com um sorriso bobo pelo que pareceu minutos. Eu jamais a interromperia. Adoro quando me olha assim e nossas conversar tendem a ter muitos momentos desse tipo, de olhares mudos que enxergam além da matéria e penetram nossas almas. Ao invés de me sentir exposta e fugir, tenho vontade de mergulhar ainda mais.

Independe: "Foi escrito com marcador permanente, então é para sempre!"Onde histórias criam vida. Descubra agora