Ai meu Deus

16 2 0
                                    

"Hoje, então, você sente compreensão?"

"Acho que depende se estou bem ou mal. Mas o principal é eu me compreender por mim."

"Então você acha que recuperou o amor-próprio?"

"Sim. Sei que ele pode ir embora numa crise depressiva. Mas, ainda assim, notei também que são com exercícios diários que ele se mantém em alta."

"E o que mudou nos relacionamentos?"

"Eu me priorizei. Eu fazia coisas que julgava que seriam para agradar os outros, quando, na verdade, eu nem ao menos sabia se agradava. Por exemplo, depois que esse tempo conturbado que citei passou, veio um período de euforia, dourado. Eu me mudei de cidade e foi como se ali marcasse um recomeço bem-sucedido. Eu já tinha me mudado outra vez antes, e fazer amizades naquela época não fora tão simples quanto foi nessa. E pude conhecer um amigo que estava disposto a firmar um elo. Por mais que a vida passara a se tornar mais ocupada, eu não tinha muito tempo livre, mas eu arranjei tempo para mostrar o quanto eu me importava."

O silêncio encorajador.

"Eu queria deixar esse amigo quebrar as minhas paredes, e mesmo que eu não coloque muitas barreiras nas amizades novas, eu ainda estava me recuperando da queda, a depressão dos anos passados. Mas o amor que ele me dava era bom, não vou mentir, e era o que me fazia voltar mesmo que eu estivesse com medo."

"Com medo?"

"Sim, medo de ser outra amizade que deu errado, ou de idealizar demais a pessoa, e ela não condizer com as minhas expectativas..." O café agora acabou. "E toda a questão de eu ter passado por anos ruins me deixaram com exaustão da tristeza. Comecei a me sentir feliz, e aquela sensação era viciante. Eu sei que é errado, mas eu queria me divertir. E começar uma amizade assim tão rápido me fazia pensar se aquilo daria certo. Eu pensava 'ai meu Deus, eu não consigo acreditar que de todas as pessoas do mundo, qual é a probabilidade de que eu pule para fora da minha vida e caia nos seus braços?'. Toda aquela sociabilidade e expansividade maníaca nem chegavam a me fazer refletir que talvez eu só estivesse perdendo minha cabeça."

"E a amizade deu errado?" Ela parece genuinamente curiosa. Acho engraçado.

"Deu certo! Tudo parece ter vindo no momento certo. Eu posso ser besta, enquanto alguém pode achar que eu não consigo ver, mas, na verdade, eu prefiro ser besta do que deixar de cuidar de mim. Eu já tinha aprendido a cuidar de mim, e a valorizar minha saúde mental. 'Eu não tenho que me explicar para vocês', era meu lema, 'Eu sou uma pessoa adulta e faço o que quero fazer'. Apesar de tudo, a mania consegue ser tão gratificante..."

"Você atribui a amizade ter dado certo a forma como você se sentia na época, então?"

"Um pouco. Mas não posso dizer no total. Meu amigo é uma pessoa incrível, a quem eu desejo tudo de bom."

"E o que você pensava na época, então, quando as coisas estavam progredindo?"

"Eu vi como isso é uma enrascada, mesmo que parecesse certo, oscilar entre a borda do paraíso e do inferno. E é uma batalha que não consigo lutar. Mesmo ele sendo uma pessoa maravilhosa, eu precisava estar bem. Passei o ano temendo que a polaridade depressiva voltasse" Engulo em seco. "'Deus, não me deixe' eu dizia, 'Deus, não me deixe' eu dizia, 'Oh meu Deus, não me deixe, não me deixe cair'."

30Onde histórias criam vida. Descubra agora