Capítulo 9 - Marinheiros que destrancam portas

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A saída da faculdade nunca pareceu tão longa, por mais que eu apertasse o passo, passaram-se eras na minha cabeça até que eu finalmente alcançasse o portão. A chuva estava aceitável, e eu diria que era um clima agradável para os 10 quilômetros que me aguardavam. 

Peguei meu guarda chuva e troquei a música, colocando algo mais palatável e adequado para o percurso. Decidi não pensar mais em como o meu dia tinha sido, ou quem eu havia encontrado, eu só queria chegar em casa, tomar um banho e uma enorme xícara de chá com canela. Sim, estes eram os planos perfeitos para um momento de paz comigo mesma. 

A chuva ia se tornando mais insistente, e minhas meias estavam encharcadas - dizem que esta é uma das piores sensações que se pode experimentar; de repente me pergunto se no inferno, andar com meias molhadas pode ser um dos tipos de tortura aplicadas. Comecei a listar uma série de coisas desagradáveis que poderiam ser consideradas torturas no dia a dia: 

1. Meias molhadas

2. Conversar com pessoas desagradáveis

3. Deitar em um travesseiro molhado com suas próprias lágrimas

4. Comer infinitas maçãs xoxas, que não fazem barulhinhos crocantes

5. Ser obrigada a beber chá preto - blé

6. Ter que usar perfumes doces

7. Adolescentes de catorze anos

8. Presenciar discussões do twitter ao vivo

Enquanto eu listava estas sensações desagradáveis que sentimos ao longo da vida, não percebi o tempo passar, e quando finalmente me atentei, já estava na metade do caminho. 

- Talvez seria melhor se eu saísse dez minutos mais cedo de cada aula, para ter certeza de pegar aquele ônibus. - e para acumular-se a minha cota de sorte do dia, a bateria do meu fone acabou.

Respirei fundo enquanto olhava em volta... Seattle é uma cidade portuária, então se você prestasse muita atenção, poderia  ouvir o burburinho vindo do porto, e eu sempre imaginava o que eles poderiam estar trazendo naquele dia, ou se algum marinheiro teria uma história absurda para contar, ou se algum deles tinha duas  famílias - haha, isso seria engraçado, talvez trágico se fosse escrito por Ésquilo. 

Duas famílias... 

Me pergunto como o Christopher acabou casado. Ele fez o pedido? Será que foi um momento especial? Algo em um ímpeto impulsivo ou planejado cuidadosamente por meses? - suspirar, é só o que eu consigo fazer. Minhas pernas começaram a doer e eu sinto meus ossos rangendo, minhas calças estão molhadas e o vento está gelado, e eu só quero chegar em casa.

Tento voltar minha atenção para a possível história espalhafatosa da vida do marujo, mas sou interrompida por uma buzina. Um carro preto me seguia devagar e eu comecei a andar mais rápido - talvez o marinheiro fosse um sequestrador de universitárias que se intrometem na vida dele e desvendam seus segredos.

- Aria! - mas marinheiros não saberiam o meu nome.

Parei e olhei para o lado enquanto a pessoa abaixava o vidro do passageiro. Ah, claro. Christopher Evans, me convidando a entrar em seu carro no meio da noite, eu genuinamente não quero passar por isso.

- Entra, por favor. Eu te dou uma carona. Isso não precisa ser desconfortável, e eu não abro a minha boca se você não quiser. - ele estava empenhado, e eu ainda me lembro do quão persistente ele pode ser, então se eu recusasse, ele possivelmente andaria a 10 quilômetros por hora me acompanhando com o carro até eu chegar em casa. 

Puxei meu celular da bolsa, buscando no google maps para saber quanto tempo faltava para chegar em casa - cerca de 1 hora. Dr*ga.

Ele abriu a porta do carro e eu entrei, apenas agradeci e ele sorriu. Sorriso estúpido, Christopher estúpid-

- Você está doente, não deveria estar andando por aí na chuva. 

- O que você é agora? Meu pai?

- Não... eu  não sou nada... mas isso não me impede de me preocupar com você.

- Não é necessário, obrigada. A propósito, o que diabos você está fazendo em Seattle? Quer dizer, quais são as chances de você, entre milhares de outras pessoas, ser meu professor?

- Eu que deveria te perguntar. Eu moro aqui desde que fui obrigado a sair do hospital. - ele disse isso em um tom brincalhão, mas no final da frase a sua voz ficou fraca.

- Obrigado?

- Eu não achei que teríamos essa conversa um dia - ele suspirou - mas enfim, como você deve imaginar a esta altura, eu não saí do hospital porque eu quis, eu não te abandonei-

- Na verdade eu penso exatamente desta forma - resmunguei baixo sem querer.

- O protocolo não permitia um relacionamento entre médicos e pacientes, então quando ãh... nós fomos descobertos, eu poderia ter perdido absolutamente tudo. Um dos meus colegas na época me aconselhou - esta última palavra foi pronunciada de uma forma estranha, parecia que aconselhar na verdade significava "forçou" ou "ameaçou"... eu sempre fui boa em ler as entrelinhas dele. - a deixar o meu cargo e o hospital, já que eu estava envolvido demais.

- Ah... - eu tenho certeza que ele esperava uma reação diferente, mas eu não fazia ideia do que dizer. Minha cabeça estava explodindo, afinal tudo isso era informação nova para mim. Eu me convencia todos os dias de que ele só tinha ido embora, e que minhas esperanças tinham que ser enterradas porque sonhar com ele voltando era algo totalmente infundado. - Eu genuinamente não sei o que dizer.

- Eu tentei te contar quando fui a sua casa, mas voc-

- Mas você estava casado.

Essa frase simplesmente nos silenciou. Alguns segundos atrás eu podia jurar que ouvi as batidas do coração dele, aceleradas, incertas, mas lá. E agora, não tinha mais nada.

Seguimos o caminho em silêncio até passarmos pela rodoviária:

- Pode me deixar aqui, professor Evans. - fui tirando o meu cinto enquanto esperava que ele estacionasse.

- Ari, eu... - eu tentei abrir a porta, mas ele não havia destrancado o carro.

- Professor, por favor abra a porta. - eu estava sufocando, o choro estava na minha garganta por tempo demais e estava tão difícil respirar.

- Por favor não, não fala assim comigo. Eu não achei que fosse poder te ver de novo.

- Não precisa se desculpar, nós só temos que coexistir no mesmo ambiente por seis meses, apenas um dia da semana. Somos dois adultos e podemos lidar com isso, porque não existe nada aqui, nós não somos nada, e eu não sinto nada. - Eu engoli o choro e puxei minhas últimas forças antes de cogitar a ideia de implorar para ele me deixar ir - Agora que eu fui clara, o senhor pode por favor me deixar sair dessa droga de carro?

Eu me virei por um segundo na direção dele e sua expressão era tão... vazia. Eu queria que ele tivesse gritado comigo, ou ficado chateado ou qualquer outra coisa que me mostrasse que era isso, que nós  realmente não estávamos mais lá. 

E a única coisa que ele fez foi respirar fundo e destrancar as portas.

Living in a dream - Chris Evans Fanfic (2º temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora