nɑo fujɑ.

7 0 0
                                    


                Quando chegou aquela carta dele todas as divagações pareceram acabar por um instante, e acordara para a vida após afogar-se em lágrimas acovardadas. Todos os problemas estranhos deixaram de ter importância, os misteriosos quadros de doenças se desvaneceram, e acabaram-se as teorias vazias, como elas são chamadas. Então o mundo ficou tão acolhedor, tão alegre, tão fácil de compreender. Sabia que ele não era uma ilusão, ele não tem que ser comprovado por testes químicos; de facto ele pode ser observado a olho nu. Ainda bem que ele não tem nada a ver com doenças – e espera que continue. Por isso vestiu-se de maneira extravagante, trajou paetê e plumas. Colocou as mais brilhantes jóias e aquela pesada tiara. Arrumou-se, certamente de maneira digna para uma Deusa, assim como fora requerido, mas sinceramente... Morgane esperava mais que fosse de maneira digna para ti.

                A verdade, a trágica verdade, é que cada vez afeiçoa-se mais de ti, com aquela mansa fúria de que fala o poeta. Mas até agora, tal afeiçoamento só lhe tem trazido dores de cabeça. Ainda mais desde aquela imagem no ônibus. Aquele Massacre. O momento que fizera mais uma de suas borboletas perder as asas e cair ao chão que na hora tremia. Imagem esta que se tornara teu pesadelo durante estes dias que passaram, a fazendo acordar suando durante a madrugada. A fazendo vomitar durante o anoitecer, pela visão de teu sofrimento. - Regressa sempre a ti como um comboio de corda na sua calha circular. E agora, que tem estado doente e piegas, a vontade de ti aumentou terrivelmente mais, catastroficamente mais, fazendo-a ignorar tudo ao teu redor e clamar por tua silhueta. Correr atrás de ti.
                Como pode agir assim, quando ali se encontra? O céu sendo tomado pelas estrelas dos desejos. As pessoas que lhe rodeiam, que a presenteiam e tratam daquela maneira. Tinha ali tudo que desejou. Tinha riqueza, poder, glória e uma bela paisagem. Mas ainda sim parecia deixar tudo de lado apenas para poder ouvir tua voz. - Por isso deixou para trás seus amados saltos, estranhamente sem hesitar por momento algum, e correra na direção dele até que tua mão estivesse entrelaçada com a deste.

Vê ele manchado em roxo. Olha-te das cabeças aos pés, parecia estar à julgar uma escultura em museu, mas na verdade tentava bravamente memorizar cada traço que ali há. Seus lábios entreabrem-se, e diz: "Abraça-me. Abraça-me pois mereço após te ver sangrar. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim. Para que possa levá-lo comigo e oferecê-lo aos astros pequeninos. Abraça-me. Uma vez só. Uma vez que nem sei se tu existes."

     pensou.
     não disse.
     ansiou.
     nada saiu.

                ────── Eu quero bater em você. ─── proferiu, no lugar de todas aquelas outras palavras. Palavras que não eram delas. Palavras de um poeta perdido, que irritantemente tenta transformar os mais dolorosos sentimentos em belos. Maldito poeta, pensa ela. Maldito aquele que sente. ────── Como ousa fugir de mim? Disse que me seguiria para sempre e depois quase... ─── quase. Quase falou. Quase se deixou supor que não falava sobre o festival. Que não falava do fato de tê-la feito gritar por teu nome segundos antes depois de dizer que teria como meta em tua vida escapar de você em todos os momentos. ────── Bem, isso não importa! Eu apenas queria entender o porquê me enviou aquela carta se não queria a minha companhia. Passei horas para ficar bonita, ahm... para você. ─── praticamente colocou-se nas pontas dos pés para que pudesse ficar na altura dele. Pôde assim ver pela primeira vez com maior claridade os hematomas cobrindo tez alheia, uma mistura de vermelho com violeta escuro. Primeiro sentiu-se morrer. Depois, quis ir atrás daqueles que causaram aquilo. Quis que eles sangrassem da mesma forma que ele sangrou. Quis ser mais forte do que é apenas por ele. Quis dizer para que contasse com ela sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota de sangue. Vem do silêncio incerto do poema e é, umas vezes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio, outras tantas tempestade. A vossa memória é um mistério, recordo-se de uma música maravilhosa que nunca ouviu, na qual consegue distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé. Mas de novo não disse, tola Borboleta.  ────── Esta horrível. ─── sussurrou rente a teu rosto, podendo ver o reflexo das lanterna em orbes alheias. Era como enxergar todo o Paraíso. Era como ir para lá, sem sequer sair do lugar.

                Alguns segundos passaram-se em um temível silêncio e, enfim, ele se foi. Não o calar. Ele. Simplesmente, com os lábios cerrados, ele dera as costas para tua Monarca.

ֹ                        ۫  𐚁̱ ֹ prꪱncᥱrosᥱ ۪

𝐄𝐅𝐄𝐈𝐓𝐎 𝐁𝐎𝐑𝐁𝐎𝐋𝐄𝐓𝐀; prꪱncᥱrosᥱ.Onde histórias criam vida. Descubra agora