4. Quando ela me fez chorar

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Comecei a ficar entediado dentro de casa, embora não houvesse muito o que fazer do lado de fora, ainda não era quinta-feira e nada parecia produtivo. Enquanto deitado no pequeno sofá, na sala, encarei as prateleiras vazias acima da TV. Antes repletas de porta-retratos com fotos de casamento, memórias bobas de namoro e agora mal se segurava ali na parede. Sem atividades rotineiras, aqui estou eu, pensando nela.

Ainda era solitário, confesso, acordar de manhã, não ver o sorriso dela então. Sim, eu sei que é injusto comigo mesmo por ainda me dedicar as lembranças de suas carícias: quando me abraçava pela cintura ou quando andávamos de mãos dadas pelas ruas, mas eu continuava sendo o mero humano que sequer havia se dado a chance de chorar, em arrependimento.

— Entrega para o 238! — disse a voz que bateu em minha porta.

Me despertei da minha melancolia e segui em direção à porta. A abri depois de verificar o olho mágico.

— Kim Min Hyeok-ssi (senhor)? — perguntou, e então confirmei.

O homem à minha frente que parecia ser apenas um pouco mais velho do que eu, sorriu com euforia.

— Olá, Min Hyeok-ssi, faço parte da equipe de entregas da Soul Clothes e solicitaram uma entrega neste endereço.

— Hum? Soul Clothes? A loja de roupas?

— Correto. Pode assinar este papel, confirmando que recebeu a sua entrega?

— Ah, claro.

Eu ainda estava completamente confuso com aquela situação. Não havia possibilidade de receber uma entrega, não tinha dinheiro para gastar dessa forma e minha mãe não se daria ao luxo de fazer algo assim por mim, muito menos o meu irmão encrenqueiro. Assinei o papel.

— Certo, aqui está – disse, logo resgatando do chão uma caixa de papelão média.

Recebi a caixa e agradeci ao entregador pelo seu trabalho, ele fez o mesmo após finalizar a sua tarefa. Retornei para dentro e pus a caixa em cima da mesinha de centro na sala. Estive tão confuso com a situação que nem me preocupei em verificar quem era o remetente mais cedo, mas quando já estava confortável, o fiz. Kang Mi Na, era o nome na caixa.

Em primeiro momento, não entendi o motivo de ter me mandado algo, mas descobri, por fim, quando abri a caixa que guardava algumas mudas de roupa, uma pequena caixinha em veludo preto e uma carta. Tomei aquele papel em minhas mãos.

Olá, aqui é a Mi Na. Sei que pode parecer estranho, afinal, estou escrevendo para você. Estas são as roupas que você me comprou durante o tempo em que estivemos juntos. Já que as coisas não são mais como antes e seguiram um caminho diferente, não vi motivos para ainda ter comigo algo que me lembre o que vivemos. Também estou lhe devolvendo aquilo na caixinha de veludo, pode penhorar se quiser.

Direcionei minha mão até a caixinha de veludo preto e a abri. A aliança dela estava lá dentro. Ela se referiu à nossa aliança como "aquilo" e ainda me sugeriu penhorar. Ri, devidamente indignado. Com raiva, amassei a carta e a joguei para longe de mim, logo arremessando o anel que quase saltou para fora da sacada, e por fim, afastei a caixa, batendo meu braço com toda a força que eu podia ter naquele momento, contra ela. Eu não havia chorado até agora, finalmente o fiz, sem nenhuma culpa.

Depois de algumas horas chorando, recluso e recluído, resolvi me reerguer. Tive medo de não conseguir comer depois de tanto muco nasal no estômago por causa do choro. Prestes a me levantar, minha atenção é tomada pelo objeto brilhoso que, incrivelmente, ainda estava em meu dedo. Merda. Talvez fosse aquilo que ainda poderia estar me deixando tão para baixo. Fui atrás da outra aliança que eu havia quase arremessado até a lua, a peguei e então as duas estavam em minhas mãos. Analisei o par brilhante, quis chorar de novo, mas me segurei. Ri novamente, indignado e agora furioso também, não que eu não estivesse antes.

— Certo, Mi Na, ótima ideia. Posso penhorar isso e conseguir um dinheiro legal agora.

Calcei um tênis, peguei a bicicleta e fui até a loja de penhores mais próxima que encontrei, não valeria a pena pedalar tanto por aquele símbolo de desprezo. Não consegui o que eu esperava, mais uma vez tirei a prova de que aquelas alianças realmente não valiam mais nada e nem tanto o que esperei.

No caminho de volta para casa, avisto o parque que costumo ir todas as quintas, mas hoje ainda era terça então procurei apenas observá-lo enquanto pedalava por ali. O clima estava fresco, embora os raios de sol se fizessem muito presentes na minha pele e eu quisesse esconder um pouco os meus braços. Ainda consegui enxergar alguns patos no lago e os pombos à beira, e aquilo me trouxe uma ótima sensação. De repente, sofro a reação do meu próprio descuido. Eu apenas estava pedalando, encantado com os bons sentimentos que acabei por não ver quem estava à minha frente. Um pequeno acidente.

Fiquei um pouco tonto, acreditei ter ouvido passarinhos cantar ao redor da minha cabeça e ver ovelhas pulando a minha frente, não obstante, aquela imagem estava longe de ser uma ovelha pulando. Era um frango, muito amarelo, de olhos vesgos e desnecessariamente grandes.

— Você não olha para onde anda? — indagou, e seu timbre me entregou uma voz feminina.

Sacudi minha cabeça e encarei a fantasia que escondia o rosto pelo qual desejei ver e reclamar. Ri, indignado.

— Faço a mesma pergunta. Como não conseguiu ver alguém andando de bicicleta na sua frente e não desviar?

— Como não conseguiu ver um frango grande e estupidamente amarelo caminhando na sua direção e não desviar? — sua voz estava abafada, mas a única certeza que eu tinha naquele momento, era que ambos estávamos irritados. — Que seja — se levantou rapidamente.

Também me levantei e fiz o mesmo com a bicicleta. Eu queria que minhas reclamações fossem a minha deixa, mas não consegui me conter.

— Você está bem? Se machucou em algum lugar?

O frango me olhou, e como nada mais ali poderia me devolver uma expressão, a não ser a mesma descabida daquela fantasia, ela me encarou com aqueles olhos vesgos.

— Além de quase me cozinhar aqui dentro, essa fantasia haveria de servir para alguma coisa. Eu estou bem — finalizou e então se retirou, e meus olhos a acompanharam até sumir da minha visão.

Balancei novamente a cabeça.

— Que mulher louca! — balancei em negação.

Olá, Quinta-feira!Onde histórias criam vida. Descubra agora