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Susan:

Sempre tive uma vida simples. Nasci em uma família de agricultores, meus pais sempre me ensinaram que as pequenas coisas da vida são as melhores e devemos cultivá-las mesmo que pareça uma missão impossível, igual quando eu tentava manter minhas flores vivas no inverno e falhava miseravelmente, nem por isso eu desistia. Todos os anos eu tentava manter aquelas plantinhas inocentes sãs e salvas.

Vivi toda a minha infância cercada de irmãos mais velhos que sempre me apoiaram em todas as minhas decisões, fossem elas relacionadas a qual roupa vestir no baile de formatura do colégio ou se era certo desejar me casar com uma garota.

Após o colégio minha vida continuou tranquila, diferente dos meus irmãos eu não desejava ir para a faculdade, preferi ficar em casa cuidando das plantações e fazendo as entregas pela cidade. Foi em uma dessas entregas que eu a conheci, aquilo que senti foi amor à primeira vista, quando meus olhos e os de Emily se cruzaram, percebi que queria aquilo pelo resto da minha vida.

Confesso que não foi fácil. Tive que arrumar uma desculpa para vir a cafeteria de seus pais todos os dias, eu nem gostava de café mas por ela eu consumiria toda a cafeína do mundo.

Emily tinha um temperamento inusitado, às vezes brincava comigo, às vezes ela respondia meu flerte com outro flerte e, nos dias ruins ela nem olhava na minha cara — isso quando não pedia para outra pessoa me atender —, nunca entendi direito o que se passava em sua cabeça nesses dias. Será que eu disse algo no dia anterior que havia lhe magoado? Será que estou fedendo? Será que ela está de TPM? Ela nunca me disse o que acontecia naqueles dias.

Com o passar dos meses comecei a gostar de café, principalmente se Emily o fazia. Eu nunca entendi muito bem o porquê desse meu sentimento por ela. Nós não conversávamos muito, nunca havíamos saído, não tínhamos redes sociais uma da outra — ainda bem, imagine se ela me pega cadelando por ela no Twitter —, a gente não tinha nem o número de telefone da outra. Mesmo assim todos os dias às quinze horas eu estava lá.

Levou cerca de cinco meses até Emily aceitar sair comigo pela primeira vez. Não fomos para muito longe da cafeteria, ela tinha apenas vinte minutos de pausa e eu queria aproveitar ao máximo todos os minutos ao seu lado, então nos sentamos no banco de uma praça em frente a cafeteria e conversamos. Pela primeira vez tivemos um diálogo decente, sem clientes nos interrompendo ou sua mãe a pedindo para ir fazer alguma coisa aleatória. Éramos nós, um copo de milkshake que eu havia comprado numa sorveteria próxima e um salgado.

Ela me fez todo tipo de pergunta possível e eu respondi a todas, em nenhum momento me senti invadida ou envergonhada. Se eu pretendia passar o resto dos meus dias com aquela moça, ela tinha que me conhecer. Nossa conversa foi muito agradável, Emily me passou seu número e conversamos por inúmeras horas naquela noite, a companhia telefônica certamente não nos aguentava mais.

Minha proximidade com Emily foi aumentando cada vez mais, cada dia com ela era único, eu não tinha muitas certezas sobre meu futuro mas sei que ela com toda certeza estaria nele.

Com o tempo Emily e eu nos tornamos inseparáveis, estávamos sempre nos falando e quando não estávamos, mal podíamos esperar para o som de uma notificação personalizada sair do celular, indicando que a outra finalmente estava disponível para conversar.

Nosso primeiro beijo foi no aniversário de 20 anos de Emily. Fomos para o cinema e durante o filme nossos dedos se entrelaçaram, foi algo natural. Quando vi já estava com uma mão em seu rosto e ela olhando fixamente para meus lábios. Naquela noite experimentei algo novo mas muito desejado: o beijo dela.

Se antes eu já estava arriada os quatro pneus mais carroceria, imagina depois desse beijo. Naquela noite deixei Emily em sua residência e fui para minha casa sorrindo, coloquei um pop chiclete que tocava numa rádio aleatório no volume máximo. Seu beijo foi único! Diferente de todos is homens e mulheres que já beijei. Eu não quero beijar outra boca, Emily Dickinson é tudo o que me importa e estou disposta a conquista-la.

Conversamos todos os dias na semana seguinte, posso até afirmar que virei a maior consumidora de cafeína do mundo naquela época. Fiz questão de ir lá todos os dias às quinze horas.

Meu aniversário chegou, eu não estava muito no clima de comemoração mas emily me pediu que eu fosse em sua casa, cogitei negar mas eu jamais diria não a ela.

Ela preparou uma linda surpresa, com direito a pétalas de rosas trilhando um caminho até seu quarto e uma parede cheia de fotos com todas as nossas memórias, fossem elas as fotografias que tirávamos na cafeteria, os prints em chamadas de vídeo ou até mesmo prints de coisas fofas ditas por chat.

A noite não poderia ter sido mais perfeita. Emily me surpreendeu com um pedido de namoro. Ela me pediu em namoro. O que aconteceu no restante da noite foi mágico, creio que é algo que não pode ser dito em palavras.

Aos vinte e dois nós noivamos e aos vinte e três nos casamos. Amar ela era como o encontro perto do mar com o por do sol, era como goiabada e creme de leite, como brownie com sorvete... a combinação perfeita.

Nossa vida era muito simples mas muito adorável. Meus pais se aposentaram e eu fiquei responsável pelo negócio da família e Emily seguiu com a cafeteria. Continuei indo lá todos os dias às quinze horas, era o nosso ritual. Eu bebia um tipo de café todos os dias e todos os dias Emily e eu flertávamos.

Tivemos uma rotina por cinco anos. Estou com Emily a cinco anos. Os cinco melhores anos da minha vida e agora não sei o que fazer pelos restante dos meus dias.

Mês passado Emily foi passar um fim de semana com seus irmãos e... não sei bem o que aconteceu mas empurraram ela da lancha e ela se afogou, como ela se afogou se nada melhor que o Michael Phelps? Isso não entra na minha cabeça.

Será que ela se desesperou e por isso não conseguiu nadar? Quem a jogou no mar? Quantas pessoas estavam naquela lancha? Austin e Lavinia estavam ocupados se agarrando com alguém e dizem não ter presenciado a cena.

Emily ficou cerca de cinco minutos se afogando, ela sobreviveu. Após duas cirurgias neurológicas e fisioterapia pulmonar ela finalmente voltará para casa hoje.

Só que tem um porém: algo aconteceu e Emily não se lembra de mim. Ela não lembra de nada que aconteceu nos últimos sete anos. Para falar a verdade, amanhã ela não se lembrará do que aconteceu hoje, depois de amanhã ela não se lembrará do que aconteceu amanhã e será assim pelo resto de sua vida — ou até um milagre divino acontecer e ela milagrosamente se lembre de tudo —, ela consegue se lembrar de tudo o que aconteceu sete anos antes mas eu não estava em sua vida sete anos atrás.

Eu a amo tanto que dói. Dói saber que não poderei conversar com ela todos os dias como de costume, dói não poder beijá-la, não poder chegar o fim do dia e eu buscar ela na cafeteria com minha caminhonete. Nós moramos juntas, onde iremos dormir?

Mas eu fui ensinada a nunca desistir do que eu amo e é por isso que irei conquista-lá todos os dias de minha vida. Espero que ela não me ache uma louca algum dia — mas se achar... bom, ela não irá se lembrar no dia sucessor —. Estou determinada, amanhã começa a operação "Como Se Fosse A Primeira Vez".

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Como se fosse a primeira vez - EmisueOnde histórias criam vida. Descubra agora