A Maré mais Funda.

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Se afogar nos próprios sentimentos é quando você almeja a tranquila e segura superfície, todavia, sempre haverá uma onda atrás da outra que te empurram para o fundo do mar. Chegará um dia em que as águas se tornarão tão turvas que me impediram de nadar e tentar chegar à superfície, os dias em que as águas eram cristalinas estão longe de se repetirem, e nessa nova estação, eu teria que me esforçar para não deixar a maré levar.

Era o medo.

Eu estava me contendo por causa do medo, e sentir medo não fazia parte dos meus sentimentos há muito tempo, estava quase me esquecendo como é ser habilidosa, e o quão forte e capaz sou. Eu era um imenso oceano que estava preso em uma garrafa, e só precisava me agitar um pouco para me libertar, para quebrar aquilo que me rendia, o medo.

Para a minha sorte, diferente de todas as outras vezes no passado que eu tentei fugir, em uma delas eu consegui, e nessa eu teria um lugar me esperando do lado de fora e pessoas para me acolher.

Os respingos das palavras de Felipa molhavam a minha mente, eu nunca era pega. E se eu ainda estava viva, é porque de fato ainda haviam chances de realmente não ser pega! E se eu fosse pega, acabaria com todos, eu não era mais inexperiente, eu ia deixar o drama de lado e dar o fora!

Eu não sei quantas vezes bati naquela porta, as minhas pernas eram fortes o suficiente para arrombar pelo menos a velha maçaneta. Na minha mente só havia o desejo de desabar aquilo tudo, um desejo de rebeldia familiar de alguns anos atrás.

Com o tempo e a ajuda de Dimitri, Felipa, Claus e toda nossa equipe de perícia, eu me tornei mais calma e sem escrúpulos, eu criei uma personalidade diferente da qual me sentia eu mesma, me sentia confortável, e enterrei aquela que me fazia frágil, ao mesmo tempo tão forte.

Assim como a frequência dos meus chutes aumentavam, um som de tambores e cornetas nascia fora do quarto, ficando alto e intenso. Era a música da morte, uma marcha fúnebre de velório, usada somente para membros de nível elevado no Monastério.

Eu chutei a porta mais ainda! Eu não sentia o meu corpo, não sentia o atrito dos meus pés na madeira, ou no metal da maçaneta. Eu estava com raiva, e era apenas isso que me movia. A música ficará mais alta, e não se pode ouvir o estrondo da porta, a maçaneta caindo no mármore branco.

Olhei por ela entre aberta, só precisava de um gesto para me dar passagem. Rasguei a barra da minha camiseta e envolvi  em minhas mãos e pulso, bato punho contra punho, puxo o ar como se fosse a minha última arfada.

Chutei a porta, a satisfação me preenche quando fracos raios de sol recaem sobre a minha pele, os olhos se encolhem delicadamente com a luz, a música atinge os ouvidos, o corredor estava vazio, e só mais abaixo, no jardim, haviam alguns monges com suas carecas brilhantes vestindo suas abatas laranjas.

Eu não corri, esgueirei os corredores como uma serpente pronta para dar o bote, o meu peito subia a baixava rapidamente com a minha respiração, meu lábio comprimido em uma linha de determinação.

-Senhorita? - O homem de pele negra, Akan era o nome dele, estava no fim do corredor, perto da escada. Ele tinha uma bandeja de metal nas mãos e parecia muito surpreso em me ver fora do quarto. Olhando ao redor ele dá uns paços para trás ao notar que a minha atenção estava diretamente nele. Continuo andando.

- A senhorita não deveria estar aqui... Vamos para o quarto, está bem? - Sua voz baixa mostrava incerteza no que dizia.

- Não.

Eu já estava perto o suficiente para ataca-lo, e em um bote peçonhento miro um chute no seu rosto, rapidamente ele se defende com a bandeja, que se choca com a minha canela no lugar da sua cabeça. Seu corpo cambaleia para o lado e eu aproveito seu embalo, dessa vez o acertando na costela outro chute. O homem solta um gemido, e contrai o corpo.

Através dos meus olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora