Lembranças

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Quando eu era pequena, sempre que olhava pela janela tinha a esperança que Deus me desse asas e me transformasse em um de seus anjos. Minha mente que mal se formava, de todo modo sabia que aquele lugar era a prisão que meu pai o fizera para mim.

Dê poder ao homem, e só assim saberá do que ele é capaz. Dê uma criança ao homem e só assim saberá quem ele é.

Eu estava só no quarto, aquele cômodo em que agora eu sabia -lembrava- de onde era. Eu sentia pena no olhar daquele homem quando ele partiu, ele mal sabia quem eu era, mas... Será que ele sabia as coisas que aconteciam nesse lugar?

Nem mesmo o poderoso tempo poderia apagar as minhas memórias. Nem a melhor das terapeutas poderia me ajudar.

Merda... Eu estava me afundando nessas lembranças...

❇︎

Era um dia brilhante onde o Sol raiava forte no céu, era tão belo que me enfeitiçava a correr pelos campos floridos. Foi nesse dia que eu soube pela primeira vez o que estava acontecendo. Os homens vestindo seus mantos laranjas, que cheiravam a incenso e couro, tais homens que me criaram, eles não eram o que eu achava.

...

- Indra pegue essa faca, você precisa aprender manuseá-la desde cedo.

- Indra, você deve orar para que nossos aliados se mantenham forte, e que os maiores dos inimigos padeçam perante a nós.

- Indra você deve se tornar mortal igual ao seu pai.

Não importava se meus ossos eram frágeis, se a minha carne doía ou se meus músculos se rompiam.

Depois daquele dia eles nunca mais pararam, mesmo que eu chorasse ou pedisse por clemencia. Me ajoelhava aos pés do meu pai e tudo que ele fazia era mostrar seus alinhados dentes em um sorriso quase feliz.

A partir disso, eu soube que o Monastério IIº não era um lugar apenas para rezar.

O que eu poderia fazer? Era tão nova, não tinha mais ninguém comigo... No final eu fiz o que me obrigavam.

Mas foi naquela noite, anos depois, que eu finalmente corri para longe.

❇︎

Eles prepararam a comida e o banho como o médico pediu, influente. Eu já estava limpa e agora observava a tigela com a sopa de carne e legumes na minha frente.

As coisas não tinham mudado, os corredores eram os mesmos, as paredes, as roupas e até o banheiro e a comida. Tudo me repugnava, e eu preferia ter perdido a cabeça para o Mafioso Daniel do que sentir aquilo de novo.

Eu não toquei a comida, muitas coisas poderiam estar junto aos seus temperos, apenas a coloquei na penteadeira.

Agora com a dor controlada, andei pelo quarto todo, revirei o armário e suas gavetas, olhei em baixo da cama e no colchão. A porta não estava trancada, mas eu sabia que até sem ser reconhecida ainda como suspeita, eu seria vigiada, ou seja, sair na cara dura só me forçaria a ter uma interação com os monges.

Suspirei.

O que eu preciso é esperar a noite cair e dar o fora, e isso tinha que ser antes do "mestre" me ver. Eu só precisava de uma arma e um telefone. O primeiro eu tinha noção de como conseguir, mas o segundo...

Claus e Felipa devem estar tão putos comigo! Mas eu voltaria para esfregar a bunda neles mostrando que ninguém consegue me pegar, eu também deveria entregar o maldito pendrive para o Dimitri...

Através dos meus olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora