Capítulo 1

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DO PRINCÍPIO DO SISTEMA COMERCIAL, OU MERCANTIL

Que a riqueza consista no dinheiro, ou no ouro e na prata, é uma noção popular que naturalmente origina-se da dupla função do dinheiro, como instrumento do comércio e como medida do valor. Em consequência de ser o instrumento do comércio, quando temos dinheiro podemos mais rapidamente obter o que quer que precisemos do que por meio de qualquer outra comodidade. O grande afazer, sempre descobrimos, é conseguir dinheiro. Quando ele é obtido, não há dificuldade em fazer qualquer compra subsequente. Em consequência de ele ser a medida do valor, estimamos o de todas as outras mercadorias pela quantidade de dinheiro pela qual serão trocadas. Dizemos de um homem rico que ele vale muito, e de um pobre, que vale muito pouco dinheiro. Um homem frugal, ou um homem ansioso de tornar-se rico, se diz que ama o dinheiro; e um homem descuidado, generoso ou pródigo, se diz que é indiferente a ele. Enriquecer é conseguir dinheiro; e a riqueza e o dinheiro, em suma, em linguagem comum, são considerados sinônimos em todos os aspectos.

Um país rico, do mesmo modo que um homem rico, supõe-se que seja um país onde abunde o dinheiro; e acumular ouro e prata em qualquer país é suposta a maneira mais pronta de enriquecê-lo. Por algum tempo após a descoberta da América, a primeira pergunta dos espanhóis, quando chegavam a qualquer costa desconhecida, costumava ser se podia encontrar ouro ou prata nas vizinhanças. Pela informação que recebiam, julgavam se valia a pena fazer um estabelecimento ali, ou se a região valia a conquista. Plano Carpino, um monge, enviado como embaixador do rei de França a um dos filhos do famoso Gêngis Khan, diz que os tártaros costumavam frequentemente perguntar-lhe se havia muitos carneiros e bois no reino de França. Sua pergunta tinha o mesmo objetivo daquele dos espanhóis. Queriam saber se o país era rico o bastante para valer uma conquista. Entre os tártaros, bem como entre todas as outras nações de pastores, que geralmente são ignorantes do uso do dinheiro, o gado é o instrumento do comércio e a medida do valor. A riqueza, então, de acordo com eles, consistia em gado, como de acordo com os espanhóis, consistia de ouro e prata. Das duas, a nação tártara, talvez, estava mais próxima da verdade.

O sr. Locke assinala uma distinção entre o dinheiro e outros bens móveis. Todos os outros bens móveis, diz ele, são de natureza tão volátil que a riqueza que deles consiste não pode ser muito confiável, e uma nação abundante delas num ano, sem nenhuma exportação, mas por desgaste e dispersão, poderá estar em grande falta deles no seguinte. O dinheiro, ao contrário, é um amigo constante, e se bem que possa passar de mão em mão, pode-se evitar que saia do país, e não é propenso a ser gasto e consumido. O ouro e a prata, pois, de acordo com ele, são a parte mais sólida e substancial da riqueza móvel de uma nação, e multiplicar esses metais deveria, por isso, diz ele, ser o grande objetivo de sua economia política.

Outros admitem que se uma nação pudesse ficar separada do mundo, não seria de qualquer consequência quanto, ou quão, pouco dinheiro circulasse nela. Os bens de consumo circulados por meio deste dinheiro só seriam trocados por um número maior ou menor de peças; mas a riqueza real ou pobreza do país, eles concedem, dependeria totalmente da abundância ou escassez desses bens de consumo. Mas é diferente, pensam eles, com os países que têm conexões ou nações estrangeiras, e que são obrigados a sustentar guerras externas e manter frotas e exércitos em países distantes. Isto, dizem eles, só pode ser feito mandando-se dinheiro para fora a fim de pagá-los; e uma nação não pode mandar muito dinheiro para fora, a menos que tenha bastante consigo. Cada nação dessas, portanto, deve procurar, em tempo de paz, acumular ouro e prata para, quando a ocasião requerer, poder ter o que levar às guerras externas.

Em consequência destas nações populares, todas as várias nações da Europa têm estudado, embora com escasso êxito, todo meio possível de acumular ouro e prata nos respectivos países. A Espanha e Portugal, proprietários das principais minas que suprem a Europa com aqueles metais, ou proibiram sua exportação sob as mais severas penalidades ou sujeitaram-na a uma taxa considerável. Uma tal proibição parece antigamente ter sido parte da política da maioria das outras nações europeias. Acha-se mesmo onde menos seria de esperar, em algumas velhas atas do parlamento escocês, que proíbem, sob pesadas penas, o transporte de ouro ou prata "para fora do reino". Política semelhante teve lugar antigamente na França e na Inglaterra.

A Riqueza das Nações (1776)Onde histórias criam vida. Descubra agora