DAS FONTES DA RENDA GERAL OU PÚBLICA DA SOCIEDADE
A renda que deve custear não só a despesa de defender a sociedade e sustentar a dignidade do magistrado-chefe, mas também todas as outras despesas necessárias do governo para as quais a constituição do Estado não proporcionou qualquer renda em particular, pode ser tirada, primeiro, de algum fundo que pertença particularmente ao soberano ou à comunidade, e que é independente da renda do povo, ou segundo, da renda do povo.
PARTE 1
DOS FUNDOS OU FONTES DE RENDA QUE PODEM PERTENCER PARTICULARMENTE AO SOBERANO OU À COMUNIDADE
Os fundos ou fontes de renda que podem pertencer particularmente ao soberano ou à comunidade devem consistir de capital ou terra.
O soberano, como qualquer outro proprietário de capital, pode derivar uma renda dele, quer empregando-o ele mesmo, ou emprestando-o. Sua renda num caso é o lucro; no outro, o juro.
A renda de um chefe tártaro ou árabe consiste do lucro. Surge principalmente do leite e do aumento de seus próprios rebanhos cuja administração é feita por ele mesmo, e é o principal pastor de sua horda, ou tribo. Porém, apenas neste primitivo e rude estado do governo civil que o lucro constituiu a principal parte da renda pública de um Estado monárquico.
As pequenas repúblicas por vezes derivaram uma renda considerável do lucro de projetos mercantis. A república de Hamburgo o fez com os lucros de uma adega pública de vinhos e de uma botica. O Estado não pode ser muito grande, onde o soberano tem tempo para exercer o comércio de um vinhateiro ou boticário. O lucro de um banco público tem sido fonte de renda para Estados mais consideráveis. Foi assim não só em Hamburgo, mas em Veneza e Amsterdam. Uma renda desta espécie foi considerada por alguns como não estando abaixo da atenção de um império tão grande quanto o britânico. Avaliando o dividendo ordinário do Banco da Inglaterra como 5,5% e seu capital em £10 780 000, o lucro anual líquido, após pagas as despesas de administração, deve totalizar, diz-se, £592 900. O governo, pretende-se, poderia emprestar seu capital a um juro de 3% e, tornando a administração dos bancos em suas próprias mãos, poderia fazer um lucro líquido de £269 500 por ano. A administração ordenada, vigilante e parcimoniosa de tais aristocracias como as de Veneza e Amsterdam é extremamente adequada, parece pela experiência, para a administração de um projeto mercantil desta espécie. Mas se um governo como o da Inglaterra — que, quaisquer que sejam as suas virtudes, nunca foi famoso pela boa economia, que em tempo de paz geralmente se conduziu com a negligente profusão que talvez seja natural às monarquias, e em tempo de guerra agiu constantemente com a impensada extravagância em que as democracias estão aptas a recair — poderia ser seguramente confiado na administração de um tal projeto, deve pelo menos ser bastante duvidoso.
Os correios são propriamente um projeto mercantil. O governo adianta a despesa de estabelecer os diferentes escritórios e de comprar ou alugar os cavalos ou carruagens necessários, e é repago com um grande lucro pelas taxas sobre o que é transportado. Talvez seja o único projeto mercantil que tem sido administrado com sucesso por, creio eu, toda espécie de governo. O capital a ser adiantado não é muito considerável. Não há mistério no negócio. Os retornos não só são certos, mas imediatos.
Os príncipes, porém, frequentemente engajaram-se em muitos outros projetos mercantis e têm desejado, como os particulares, melhorar a fortuna tornando-se aventureiros nos ramos comuns do comércio. Raramente tiveram sucesso. A profusão com que os negócios dos príncipes são sempre geridos tornam-nos quase inviáveis. Os agentes de um príncipe veem a riqueza de seu amo como inexaurível; são descuidados do preço por que compram; são descuidados do preço por que vendem; são descuidados da despesa do transporte de suas mercadorias de um lugar para outro. Esses agentes geralmente vivem com a profusão dos príncipes e, por vezes também, a despeito daquela profusão, e por um método próprio de fazer as suas contas, adquirem as fortunas de príncipes. Foi assim, nos é contado por Maquiavel, que os agentes de Lorenzo de Medicis, príncipe de não poucas habilidades, exerceram seu comércio. A república de Florença foi várias vezes obrigada a pagar o débito em que sua extravagância estava envolvida. Ele achou conveniente, pois, desistir do negócio mercantil, negócio a que sua família originalmente devia sua fortuna, e na parte final de sua vida empregar o que restava daquela fortuna, e a renda das propriedades de que dispunha, em projetos e despesas mais adequados à sua posição.