Epílogo: A ponte

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Há muito tempo que eu vinha pensando o que fazia duas pessoas permanecerem juntas até o fim de suas vidas, mesmo que passasse trinta, quarenta ou cinquenta anos de casamento. O que poderiam fazer para continuarem suportando um ao outro? O amor era mesmo o suficiente? Ou era apenas um sentimento temporário com data de validade?

Tudo que eu sabia era o que aprendi com o meu pai quando nos mudamos para Paris. O jeito que ele apoiou a minha mãe e estava lá por ela é o que mais gosto de lembrar em momentos como esse, quando eu temo ter cometido um erro ao tomar a decisão que tomei e ainda estar me aventurando como estou agora. Aqui, parada ao lado dele nessa ponte.

—  Baek Yi-jin! — exclamei com um sorriso idiota que não saía por nada do meu rosto.

— Oi? Está com frio? — Ele nem notou o quanto estava perdida em pensamentos desde a hora que saímos do restaurante e entramos em seu carro.

— É que eu gostei de poder voltar a falar o seu nome em voz alta... — Me permiti virar a cabeça e olhá-lo de soslaio — Baek Yi-jin! — Repeti.

Eu me sentia aquela menina de vinte e um anos de novo. Aquela que queria dar um arco-íris de coisas boas a ele.

Nossos braços estavam próximos, encostados no parapeito daquela ponte que atravessava por cima do Rio Han. Paramos ali há menos de três minutos. Tínhamos acabado de jantar no restaurante que ele me levou quando foi promovido na UBS. O dia que recebi um cartão do repórter Baek Yi-jin. Ele estava tão orgulhoso naquela época e eu fiquei tão feliz por vê-lo sorrir. Eu sabia o quanto tinha sido difícil a sua caminhada. Os tantos nãos que tinha ouvido. Ele não merecia aquilo. Se existia alguém no mundo que não merecia ser rejeitado ou sentir qualquer gota de desprezo, era ele.

— Você gostou da comida? Quer ir para algum outro lugar? Ou quer que eu te deixe em casa? — Me perguntou com o olhar ávido em ser útil. Se eu tivesse com algum cadarço desamarrado, ele teria o prazer de ajeitar naquele momento.

– Podemos ficar aqui até não aguentarmos mais o frio? — Devolvi com uma pergunta ao apoiar o meu rosto gelado e pálido no meu antebraço.

Descaradamente, eu me virei para ele e o encarei de modo profundo, daquele jeito que eu sentia tanta falta de fazer. E ele me olhou de volta, daquele jeito tímido e com medo de estar fazendo algo de errado.

Tudo estava escuro a nossa volta. Não existia mais aquele céu azul tão claro de quando viemos aqui a primeira vez. Não tínhamos mais declarações ou promessas a fazer. Éramos só eu, ele e as estrelas se esforçando para brilhar em uma noite tão nublada.

Mas eu queria poder dizer a ele que há um ano eu falei com a mãe de umas das amigas da Min-chae. A cristã mais devotada que eu conhecia. Perguntei a ela o que Deus achava das pessoas que se divorciaram. Porque, de vez em quando, eu gostava de fazer algumas orações. Como aquelas que fiz para que o Baek Yi-jin não passar por dificuldades que fossem insuperáveis. E eu queria realmente saber se tinha algum jeito para o que eu estava sentindo, pois não queria mais continuar casada com o homem que disse abertamente não me amar como antes e que talvez devêssemos nos separar, quando ainda lutei por ele como pude, para depois descobrir que ele havia me traído com uma garota de vinte e seis anos.

Ela me disse simplesmente:

— Jesus também recebeu esse tipo de pergunta e Ele disse que as pessoas se divorciaram por causa da dureza de seus corações e que desde os tempos de Moisés eram dados documentos que liberavam as pessoas em casos assim — Ela queria dizer sobre casos como o meu. De traição. Falta de confiança. Quebra de vínculos. Mas não ousou dizer a palavra.

Tudo que eu fiz foi dar mais um dos meus sorrisos forçados e passar a mão nas mechas de cabelo que caíam sobre a minha testa.

— E a culpa não é sua, Na Hee-do! Não sei qual a sua visão de Deus, mas poderia deixar que Ele trouxesse ao seu coração a certeza de que você não fez nada para o senhor Kim agir daquele modo tão vergonhoso! Eu te conheço há tanto tempo e sei que sempre fez tudo por seu casamento! E, eu continuo te admirando, sabia? — A mulher disse diante da minha pose desconfortável.

Ambas estávamos sentadas nos bancos do lado de fora da sala dos professores,  aguardando sermos chamadas para recebermos os boletins de nossas filhas.

— É, eu sempre fiz de tudo... — Suspirei.

— Senhora Na-ram! — Uma voz chamou a mulher que estava ao meu lado e ela se levantou para adentar na sala, mas antes afagou o meu ombro.

Meses depois desse episódio, ali naquela ponte envolta por postes de luzes brancas, Baek Yi-jin sentiu que eu estava presa no passado.

— No que você está pensando? — Ele quis saber ao dar um passo para perto e deixar poucos centímetros separando os nossos rostos.

— Que eu aprendi, desde o dia que eu te deixei ir, que as separações mais difíceis são as que mais doem. Mas eu sabia que você estava perseguindo o que acreditava ser o certo. Eu também fui atrás do que era melhor para mim. Mesmo quando voltei ao túnel com o diário que você me devolveu, eu pude sentir que não deveríamos ter acabado daquele jeito, sabe? Que por mais que tenha me esforçado a vida inteira, como se a cada dia eu tivesse uma medalha de ouro a conquistar, eu queria poder me sentir amada por ser quem eu sou, sem ter que provar nada a ninguém, porque parecia que só assim receberia alguma prova do meu valor como pessoa! — Meus olhos marcados pelo tempo marejaram.

Nenhum de nós dois é mais jovem, porém ainda havia tanta força no jeito que a gente se encarava. As vontades que tinham sido guardadas continuavam ali. Cobertas. Intactas.

— Você continua sendo tão sincera no jeito de falar! — Levantou a cabeça dos antebraços e jogou os dedos sobre meus cabelos para bagunçá-los, desfazendo o coque alto que os prendia.

Uma cascata de fios negros caíram sobre meu pescoço. Uma cortina que não poderia tampar a minha visão dele. Baek Yi-jin usando um terno tão perfeitamente ajustado ao seu corpo alto e eu com meu vestido preto simples, coberto por um sobretudo azul bebê.

— Eu também estou velho demais para ficar fazendo rodeios! Então, posso te perguntar... Quer reconstruir aquilo que para você era um arco-íris?

Achei que Baek Yi-jin fosse me pegar em seus braços e me prender em um abraço apertado, mas pelo modo que segurou o meu queixo e aproximou-se de mim, não deixando mais espaço entre nós, deveria ser outra coisa. Ele colocou seus lábios frios na minha testa e sussurrou o que tinha dito sobre aquela ponte décadas atrás. Senti que um portal do tempo se abriu sobre aquele lugar e voltamos a estar em nossos vinte e cinco, vinte e um.

Um Diário para Baek Yi-jin (Tatielle Katluryn)Onde histórias criam vida. Descubra agora