Capítulo 04

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Douglas corria, vez ou outra olhando para trás. A sua amiga endemoniada ainda estava correndo atrás dele, de quatro, como um cachorro feroz.

E em uma das espiadas, Douglas acabou chocando-se contra uma pilastra e caindo no chão. O demônio parou de correr.

O menino não sabia em que parte da casa estava. Parecia um salão de festas, com várias colunas, vidraças, cadeiras e mesas espalhadas pelo local. E com dificuldade ele se pôs de pé, dando uma rápida averiguada no lugar.

A menina rosnou atrás dele e o barulho assustador fez com que Douglas vira-se, com o coração quase saltando para fora do peito. Ele já estava praticamente desistindo; o seu corpo estava muito cansado e dolorido. Mal conseguia se manter de pé, devido as fortes dores nos pés e principalmente nos joelhos.

Ele observou o corpo magro da garota levantar, ficando sobre os dois pés, sem tirar os olhos dele. A boca dela, carregada de dentes afiados, escorrendo uma baba escura, apresentou-lhe o que parecia ser um sorriso.

--- Desistiu tão rápido, menino - a voz que saía por entre os lábios do corpo endomoniado não tinha nada a ver com Sophia --- Seu corpo gordo não te deixa mais correr? - perguntou com deboche, virando a cabeça para o lado como um cachorrinho curioso.

--- Você é um espírito bem preconceituoso, sabia? - Douglas conseguiu dizer.

A gargalhada do demônio arrepiou-lhe até os pelos que ele nem tinha noção que era possível arrepiar. Estava com medo, sim. Mas a fadiga era maior. Douglas sentia o peito arder pelo quase esgotamento de ar; estava demasiadamente ofegante.

--- E agora vou alimentar-me de você, gordinho.

O menino suspirou com pesar; desistiu. Não tinha mais o que fazer; tentar correr só adiaria o inevitável. A morte era certa, e ele estava convencido desse fato.

--- Pode vim. A minha alma é sua. - entregou-se.

A boca do ser maligno aumentou de tamanho, quando ele foi se aproximando lentamente do garoto. E esse gesto causou um pavor ainda maior em Douglas. Ele percebeu que iria mesmo morrer, e então algo dentro dele foi ativado para que ele pudesse continuar tentando sair daquela casa com vida.

--- Quer saber, eu mudei de ideia. - Douglas virou-se com uma rapidez incrível e voltou a correr.

O demônio rosnou com raiva, pondo-se novamente de quatro e voltando a correr atrás do garoto. Ele era rápido, subiu numa parede para facilitar na hora de pular em cima de Douglas, que corria em círculos no salão.

--- Você corre como uma barata tonta. - falou o demônio, gozando da cara de Douglas.

O menino não disse nada, preferiu economizar o seu fôlego. Enquanto corria, tentava bolar um plano para escapar, mas nada, absolutamente nada vinha em sua mente. Ele não era o inteligente dos amigos. A pessoa mais inteligente do trio era justamente aquela que foi possuída, e ele se viu sem muitas alternativas, ou sem nenhuma.

A criatura já estava perto o bastante para pular em cima de Douglas, e assim o fez. O menino caiu no chão, batendo a boca e mordendo o próprio lábio que sangrou na mesma hora; o gosto metálico tomou a sua língua e ele sentiu enjoo.

--- Você é meu. - falou o demônio, aproximando a boca enorme da cabeça coberta por fios de cabelo lisos e loiros, para sugar-lhe a alma.

--- Deixe o meu amigo em paz, coisa desprezível.

Lucas apareceu no salão e lançou a corda no pescoço da criatura, puxando-o de cima de Douglas. O demônio debateu-se, colocando as mãos na corda, tentando tirar de seu pescoço, mas Lucas segurou firme, usando toda a sua força para não soltar.

--- Nossa, Lucas. Nunca pensei que ficaria tão feliz em te ver. - disse Douglas, levantando-se com o corpo trêmulo.

--- Também estou feliz por você estar vivo. Agora venha cá e me ajude.

O loiro logo correu até o seu amigo e o ajudou a segurar a corda. O corpo de Sophia se debatia e rosnava sem parar; estava mais forte do que o natural.

--- Caramba, para uma menina pequena e magra, ela está bem forte. - Lucas comentou, cerrando os dentes, devido a força que estava fazendo para não soltar a corda; sua pele negra suava, ao ponto de brilhar naquele lugar pouco iluminado.

--- Não é Sophia que está ali. Tem um espírito dentro de seu corpo. - Douglas explicou.

--- É, eu sei. E como faz para tirar?

--- Tenho cara de exorcista?

--- É claro que não. Mas você não tem nenhuma ideia do que podemos fazer?

--- Uma oração, talvez.

--- Eu não sei orar.

--- Todos os dias a minha avó ouve a missa pelo rádio. Aprendi algumas coisas.

--- E o que está esperando? Vamos, tente.

--- Tudo bem, tudo bem. Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte.

Lucas olhou de soslaio para o seu amigo. Aquilo não estava funcionando. O demônio gritava, rosnava e ainda se debatia, tentando se libertar da corda. Os meninos já estavam ficando sem força para segurar.

--- Tenta outra coisa, Douglas! Isso não está dando certo!

Douglas choramingou, desesperado; não sabia o que fazer.

--- Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, vem a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu...

O demônio gargalhou, interrompendo Douglas.

--- Vocês acham mesmo que uma oração decorada vai me deter? Crianças tolas. Precisam de muito mais do que isso. Chega de brincadeira, eu sinto sede de alma.

E então, com um forte puxão, usando o corpo de Sophia, o espírito maligno conseguiu derrubar os meninos e libertou-se da corda.

--- Isso está sendo mais difícil do que imaginei. - disse Lucas.

--- Nós vamos morrer. - Douglas lamentou.

--- Não fale asneiras. Vamos sair daqui, prometo.

--- Como?

--- Eu não sei. Mas vamos sair daqui. Eu tenho um plano, e talvez você não goste muito dele.

 Eu tenho um plano, e talvez você não goste muito dele

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Não Olhe Para Trás (conto de terror)Onde histórias criam vida. Descubra agora