Querido Estagiário

Prólogo

RAVENA CLARK

– Aqui está sua carta de recomendação, Giulia – entrego em suas mãos.

Giulia é uma de minhas estagiárias, e após dois anos trabalhando na CLARK ADVOCACIA E CONSULTORIA JURÍDICA seu estágio chegou ao fim, como se é de costume. Nós sempre contratamos estagiários matriculados nos últimos anos de direito, pois estes, naturalmente, possuem maior conhecimento jurídico, e somente os mantemos pelo período máximo de dois anos.

Por um ano Giulia tem sido minha estagiária, isto porque eu somente começo a trabalhar com os estagiários após já estarem inseridos em nosso escritório há um ano. O motivo para tanto é muito simples, eu não possuo a paciência ou o tempo necessário para lidar com os novos, então, por essa razão, meus colegas advogados sempre ficam com a tarefa de introduzir o nosso escritório e as nossas praxes aos recém chegados.

– Muito obrigada, Dra. Clark! Agradeço profundamente por todos os ensinamentos, aprendi tanto com a senhora, – me contraio internamente pelo pronome de tratamento adotado, afinal tenho somente 32 anos e não estou na idade para ser chamada de "senhora", mas eu nunca retruco, pois esta é a forma mais correta e respeitável a tratarem os advogados – e esta carta de recomendação certamente irá auxiliar meu início de carreira no ingresso em algum escritório.

Me agradeceu, e eu sei que de fato estava agradecida, já que uma carta de recomendação da Clark Advocacia certamente lhe abriria muitas portas, especialmente por esta ter sido redigida por Ravena Clark. Giulia logo receberia seu diploma e o certificado de colação de grau, e tendo já passado no exame de Ordem, poderia em breve começar a advogar.

– Gostei muito de ter trabalhado com você durante este ano, sempre muito prestativa e solícita, – respondo, rezando para que o próximo estagiário seja tão prestativo quanto – e é por esta razão que fiz esta carta, então espero que lhe ajude.

***

Agora são quase 18 horas, final de expediente, e após me despedir de Giulia pela última vez, decido ir para casa. Arrumo minha mesa, pego minha bolsa me assegurando que celular e chaves estão dentro e saio da minha sala, olho ao redor e vejo que ainda há pessoas trabalhando e me direciono ao elevador, agradecendo por este já encontrar-se com as portas abertas.

O escritório da Clark Advocacia se localiza na cobertura de um dos prédios corporativos mais altos da Vila Olímpia, que fica na zona sul da cidade de São Paulo. O escritório toma conta dos dois últimos andares, que são enormes, e possuem inúmeras salas de advogados, sendo que em ambos os andares há uma sala maior para reuniões, além de uma área de descanso para os advogados e uma pequena sala de espera para os clientes, logo no hall de entrada de cada piso, junto à recepção.

Na cobertura é onde ficam os advogados da área criminal, pela qual nosso escritório é tão conhecido. Isso porque, no início, há pouco mais de nove anos, instituí a Clark Advocacia com enfoque na área criminal com o auxilio de minha amiga Luana e de Arthur, ambos advogados que estão comigo até hoje.

Com o passar do tempo, fomos ganhando grande reconhecimento e renome pelo nosso trabalho, de forma que decidimos expandir para as outras áreas. Assim, passamos a chamar, para integrar à sociedade, colegas que são amplamente respeitados nas áreas do direito empresarial, tributário e cível, que são os que compõem o andar debaixo.

Logo após a trajetória do elevador ao térreo, vou até o meu carro, um Audi Q5 na cor champagne, e entro. Dou a partida e saio rumo ao meu apartamento.

***

Sento no sofá esticando minhas pernas, de banho tomado e com a caixinha de comida chinesa em mãos, ligo a tv no noticiário para passar o tempo enquanto desfruto do meu jantar. Amo comida oriental, mas a frequência com que peço está acabando com o meu paladar, talvez eu possa estar enjoando. Por trabalhar o dia inteiro, não tenho tempo para cozinhar minha própria comida, então acabo por pedir fora quase que diariamente, já que são raras as vezes que vou a restaurantes, por conta do cansaço e da preguiça.

Terminando a comida, deixo a caixinha de lado e me encosto no recosto do sofá, olhando para cima. Passo a massagear minhas têmporas, me preparando mentalmente para o dia de amanhã em que vou conhecer oficialmente o novo estagiário. Pode ser que eu o conheça de antemão, mas somente por vista, já que são inúmeros os estagiários que vejo circular pelo escritório fazendo seus respectivos trabalhos para outros advogados.

A única coisa que sei é seu nome. Bernardo Navori.