Capítulo 16

825 82 47
                                    



POV Christian

Estou na porta de um dos três quartos do porão ao nível do solo da casa de Anastasia. Só olhar para esse cômodo já é doloroso, e não consigo entrar.

A cama de David está lá, arrumadinha. Assim como sua prateleira de livros e sua caixa de brinquedos. Suas roupas estão penduradas no closet. Vejo fotos de nossa antiga vida espalhadas pelo quarto: uma de nosso casamento, outra de poucos instantes após o nascimento de David, imagens de aniversários, fotografias feitas na escola, nas férias.

Por que nunca desci aqui antes?

Fechando a porta, olho para o segundo cômodo deste andar inferior. Como a parte de cima da casa, é um ambiente retrô e absolutamente estéril. Só aquele único quarto ainda guarda alguma coisa da mulher que eu amo.

O som de uma leve batida na porta me leva de volta lá para cima. Subo os degraus dois de cada vez até o andar principal, para conseguir chegar lá antes que a campainha toque e acorde Anastasia. É Katherine quem está batendo, o que para mim não é nenhuma surpresa.

__Oi, - ela me cumprimenta baixinho. __Como vocês estão? Tudo bem com a Anastasia?

A animação que me acostumei a ver em Kate não está mais lá. Solto um suspiro. Essa relação vai ter que ser refeita também. O luto é como um espelho estilhaçado, em que a parte quebrada espalha rachaduras por toda a superfície.

__Ela está dormindo. - Aponto com a mão para a cozinha. __Vou beber alguma coisa. Quer ir comigo?

__Claro. - Ela entra e olha ao redor, como se esperasse ver alguma coisa diferente aqui dentro.

Vou para a cozinha.

__Trouxe um uísque lá de casa, mas tem uma garrafa de vinho na geladeira.

Kate solta uma risadinha sem ânimo.

__Eu dei essa garrafa de presente quando ela se mudou. Será que o vinho ainda está bom?

__Vamos descobrir. - É um vinho australiano com tampa de rosca. Eu abro, dou uma cheirada, despejo um pouco em uma taça e tomo um gole. __Está bom, sim.

Ela aceita a taça que sirvo e bebe um bom gole enquanto preparo uma dose caprichada de uísque para mim. Nós vamos nos sentar à mesa.

Ela me dá uma encarada.

__Estou bem confusa.

__Aposto que está mesmo. - Depois de um longo gole, sinto o álcool descer queimando pela minha garganta.

__ Anastasia é sua esposa?

__Era. A gente se divorciou alguns meses depois de perder David.

__Ah. - Ela segura a taça com as duas mãos. __Acho que isso é bem comum depois da morte de uma criança.

_Isso é só um mito. - Percebo o tom de irritação na minha voz, e imediatamente me arrependo. __Desculpa falar assim.

__Tudo bem.

Eu continuo, amenizando o tom:

__Só dezesseis por cento dos casais se divorciam, e não costuma ser por causa da perda; acontece porque as coisas já não vinham bem, e a criança era o que mantinha o casamento de pé. - Eu dou mais um gole. __Pelo menos no nosso caso foi assim.

Kate também toma outro gole da bebida, e em seguida começa a mexer na haste da taça.

__Ela pareceu surpresa quando vocês se encontraram pela primeira vez.

__Pois é. E eu fiquei ainda mais surpreso quando você apresentou a gente e ela não disse nada. Fiquei bem puto, na verdade. A impressão foi que ela apagou da memória a nossa vida juntos, como se nunca tivesse acontecido. - Dou mais um gole, deixando a bebida percorrer a minha boca por um tempo antes de engolir. __Depois de uma discussão aos gritos com o meu terapeuta, ele me explicou sobre uma coisa chamada 'luto complicado'.

Um novo começo Onde histórias criam vida. Descubra agora