Epílogo

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Itachi entrou no cômodo lentamente, assim como se virou para fechar a porta às suas costas. Suas mãos pesavam na lateral do corpo, frias e úmidas. Mas sentia-se pegar fogo, castigado pelo tecido de lã do casaco que vestia e que nunca antes fora tão quente; passou a mão pela franja comprida e repicada e jogou-a para trás, para junto dos fios escuros presos num rabo de cavalo mal feito que escorria desalinhado até a altura de suas costelas.

A lâmpada colorida fazia o vermelho escuro escorrer pelas paredes do motel como sangue seco, e sob aquela iluminação rubra a pele de Itachi ruborizava, casando com os olhos estreitos que brilhavam um tom mais perturbadores que o habitual.

Movia-se como um predador espreitando o jantar; os músculos delicados mas firmes delineados pela roupa de malha fina, o nariz empinado, os lábios cerrados e os olhos fixos na cama de casal no centro do quarto, de lençóis tão alvos quanto neve. Caminhava em direção a ela, seduzido pelo som dos gemidos proferidos de maneira engasgada, quase que entalados na garganta da figura esguia contorcendo-se sobre um turbilhão de tecidos embolados que os entoava no ar, a melodia vandalizando o silêncio sem remorso ou misericórdia.

A voz da figura era rouca ainda que manhosa, trêmula pelos gemidos e abafada pela mordaça que separava seus belos lábios rosados; lágrimas em abundância eram derramadas por seus olhos, escorrendo por debaixo do tecido escuro da venda que os cobria.

Postado diante da cama, Itachi inclinou o rosto, observando atentamente a pessoa abaixo de si... As coxas sendo esfregadas uma contra a outra continuamente, o peito subindo e descendo violentamente, a coluna arqueada, as mãozinhas inquietas que apalpavam as próprias nádegas, barriga e mamilos cobertos. Itachi sorriu um sorriso de felicidade genuína. Então estendeu com cuidado, receio e fascínio uma de suas mãos, deslizando a ponta dos dedos sobre a superfície da roupa de borracha, colada como uma segunda pele ao corpo de seu objeto de admiração; o látex reluzia fracamente sob a pouca luz do ambiente.

Somente o rosto do rapaz estava descoberto, ainda assim oculto pela venda e maltratado pela mordaça; todo o resto, desde o pomo-de-Adão até os dedos das mãos e dos dedos das mãos até os dedos dos pés, estava vestido numa fantasia escura extremamente justa. Itachi agarrou uma das nádegas de seu boneco fetichizado com brusquidão, sentindo-a quase escorregar na palma de sua mão. Choramingou um gemido e se ajoelhou diante dele, escondendo o rosto na curva graciosa das ancas estreitas da sombra à sua frente; havia ali algo disforme, sem face ou nome.

- Você está tão, tão lindo... Obrigado, obrigado, obrigado... - repetiu num sussurro, numa prece, diminuindo o tom de voz gradativamente. Pousou carinhosamente sua mão na base da coluna alheia e aproximou seus corpos, puxando o outro para si com uma boa dose de possessividade. Ergueu o rosto, sôfrego, e distribuiu beijinhos castos por toda a extensão das coxas até os dedos dos pés negros como petróleo.

Seu coração batia rápido dentro das costelas, ameaçando rompê-las e saltar para fora de seu peito. Ousou proferir o nome de sua companhia, puro reflexo, ânsia, mas foi rápido o suficiente para se reprimir, mordendo a língua e engolindo a seco todas as letras que almejavam libertarem-se de sua boca desesperadamente. Seus dedos ardiam e pinicavam, como se tocasse uma cerca elétrica.

Sua companhia se queixou, impaciente e desperta, agarrando a raiz dos cabelos de seu admirador. Itachi sentiu-se vibrar no timbre choroso da voz que lutava para fazer-se entender através da mordaça. Olhou-o com divertimento e curiosidade, deveras interessado em interpretar o significado das palavras desconexas e atrapalhadas lançadas ao vento pela garganta alheia.

- I-t-a... sol-ta... - as letras se atropelavam e se enrolavam, pairando no ar, quase irreconhecíveis, agarrando-se umas às outras milagrosamente. E em seguida havia um longo, longo momento de silêncio no qual Itachi se dedicava a desemaranha-las, fio por fio, significado por significado, etimologia por etimologia, antes da cantoria recomeçar; o piar de um pássaro enjaulado: "p-por... favor, por favor...", um piar tão curto..., e o avicultor impiedoso se perguntava de quem era aquela voz.

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