2001
Alguém girou o botão do antigo rádio de mesa dos pais de Itachi, que repousava ao lado da churrasqueira lotada narrando uma partida de futebol já não mais interessante; uma caixa retangular de madeira, a parte da frente ondulada em plástico no tom creme. O ruído de sintonização da nova rádio selecionda durou apenas um segundo, logo foi substituído por uma música velha que Itachi não realmente reconhecia.
Mas não era a isso que o garoto dava atenção, conforme o cantor cantava sua canção, o garotinho de nove anos mantinha os punhos cerrados com força, a mandíbula frágil de criança apertada e os lábios finos comprimidos numa linha dura. Distante dos familiares animados como estava, quase que camuflando-se em meio ao jardim de plantas altas e orquídeas roxas enroscadas em torno de árvores de troncos grossos, ninguém via a expressão consternada em seu rosto, ninguém repreendia o ódio escancarado nas feições amargas demais para alguém tão jovem.
Fitava quase sem piscar, fuzilava com olhos estreitos cheios de revolta e sede de sangue uma lousa verde que fora pregada na parede do lado de fora de sua casa por um de seus tios. Os punhos cerrados tremiam enquanto Itachi seguia a encarar a imagem ali, havia uma queimação cuja origem era desconhecida por ele consumindo a boca de seu estômago em direção aos pulmões, tanto que até respirar era uma tarefa árdua... Seu olhar se desviou do quadro verde rapidamente, quando a gargalhada repentina e histérica de uma mulher o fez sobressaltar-se no lugar. Encarou-a por um momento, assistindo-a entornar uma latinha de cerveja nos lábios e rodopiar sob o refrão da música espalhada ao seu redor. Desgraçada, xingou em pensamentos.
On and on
Say that you remeber
On and on
Dancin' in September
Havia um corpo deformado naquela lousa, desenhado com giz escolar colorido pelos dedos imaturos, de pouca coordenação motora e inexperientes de um menininho de quatro anos. O tal menininho agora ria, sendo seguro pelas mãos por outras duas mãos muito maiores e mais peludas; pisando nos pés daquele que o segurava, balançava-se de um lado para o outro desajeitadamente.
-Que bonitinho o seu desenho, Sasuke!- Alguém gritou. Itachi ouviu um "bigado!" sair da boca de seu irmão. A pessoa riu e gritou novamente: - Chama seu primo para ver, chama!
My thoughts are with you
Holdin' hands with your heart to see you
Only blue talk and love, remember
How we knew love was here to stay
Ao ouvir aquilo, mesmo de longe, o coração enciumado apertou no peito e involuntariamente, ainda que não quisesse, o olhar de Itachi caiu para o chão, turvo de tristeza, enquanto pelo cantos dos olhos via seu irmãozinho correr, fugir das mãos que o seguravam e da vista de Itachi em direção a um lugar para o qual Itachi não podia acompanhá-lo, por qualquer que fosse a razão. Era tão difícil para si engolir a saliva se acumulando em sua boca que cogitou escarrar no chão de grama sob seus pés.
A música seguia em seu ritmo alegre e repetitivo: on and on and on and on, on and on and on and on, e Itachi sentia seu estômago girar no compasso, pouco a pouco cada vez mais nauseado. A melodia batucava seu cérebro como um cuco pulando para fora de um relógio a cada 12 horas, e enquanto o cuc-cuu não parava, Itachi amaldiçoava o souvenir alemão assim como amaldiçoava a musa inspiradora daquele desenho inocente que lhe despertava tanto ódio.
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RUBBER
General FictionReprimir algo que vive do lado de dentro é uma tarefa árdua cujo esforço nunca deve ser cessado... Itachi vive sob essas circunstâncias, carregando consigo um segredo esse rapaz luta todos os dias para tentar conter os próprios demônios e desejos. S...