1° capítulo

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Marc

O calor do deserto sempre me fez pensar. Há algo quase filosófico nele, uma força viva que parece tocar a alma, queimando tanto quanto cura.

A areia do deserto, essa extensão dourada infinita, é testemunha de mais histórias do que qualquer livro poderia contar. Ela engole as dores e cicatriza as feridas. No meio da vastidão, sempre encontrei uma estranha paz, mesmo quando a vida me oferecia apenas violência.

Dor e paz, duas faces da mesma moeda. Não é à toa que, depois de tudo o que vivemos, eu e Steven encontramos um tipo de calmaria. Uma calmaria que se parece com o deserto, algo silencioso, abrasador, mas tranquilo.

Depois de Ammit, deixamos de lado a história de justiceiros. Sem Khonshu nos espreitando a cada esquina, sem a constante urgência de caçar pecadores. Só eu e Steven, dividindo esse corpo de uma forma que nunca achei possível.

E agora, a vida era... normal, por falta de uma palavra melhor. Compramos com o  acerto do ultimo emprego um novo apartamento, mais um peixe dourado – Steven achou uma boa ideia dar ao Gus um companheiro – e, de alguma forma, funcionava. Essa quietude era estranha, mas talvez eu precisasse disso. Talvez nós dois precisássemos.

Ainda assim, havia dias em que o silêncio me deixava inquieto, como agora.

Steven estava em uma entrevista de emprego. Eu, preso do lado de dentro, observava. Ele se ajeitava na cadeira, um pouco nervoso, tentando parecer confiante enquanto esperava a chegada da mulher que o entrevistaria. O que ele queria? Um trabalho comum, algo sem complicações, talvez num museu ou biblioteca. Algo tranquilo. Ele se preparou para isso, é claro, mas eu não conseguia evitar de me perguntar se essa era a escolha certa.

— “Você vai mesmo fazer isso?” — perguntei, quebrando o silêncio interno.

Steven, olhou para a moldura dourad brilhante pendurada na parede e me respondeu em um tom calmo:

— Claro que vou, Marc. Quero algo estável, algo que me mantenha longe de... você sabe, de tudo aquilo.

Suspirei, cruzando mentalmente os braços, enquanto via Steven se virar e encarar o corredor vazio com ansiedade — “Certo, mas... não acha que estamos jogando fora o que sabemos fazer? A gente poderia fazer mais, você sabe disso.”

— Marc, eu quero uma vida normal. Nós merecemos isso. Não acha que já fizemos o suficiente?

Balancei a cabeça, mesmo que ele não pudesse me ver.

— “Talvez. Só acho que você está se enterrando num trabalho entediante. Isso realmente é o que você quer?”

Steven finalmente me respondeu diretamente, desviando os olhos da pintura que encarava.

— Não é só sobre o que eu quero, Marc. É sobre o que nós dois precisamos. E isso, agora, é o certo.

Fiquei em silêncio. Era difícil argumentar contra ele quando usava aquele tom, sempre tão certo de si. Eu poderia pressioná-lo mais, mas não o fiz. Depois de tudo, Steven merecia tentar, mesmo que eu tivesse minhas dúvidas.

— "Pode pelo menos se acalmar? É uma entrevista de emprego, não a fila da morte"

— Você fala isso porque não está no meu lugar...

— "Só se acalme cara"

A mulher veio ao encontro dele e o convidou para entrar em sua sala

— Bom Steven — começou ela enquanto lia meu currículo — Aqui diz que você já teve experiência de trabalho em um museu certo?

Cavaleiro da lua: O Despertar Do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora