Logo após a saída do meu trio da Espada do Arcanjo eu me senti solitária e estressada. As meninas que sabiam sobre meu rolo com Júlio faziam piadinhas sussurradas no corredor quando eu passava por elas e sequer se esforçavam em disfarçar.
Resolvi focar nos meus estudos e não dar atenção aos comentários maldosos, sabia que só lembrariam de mim até alguma outra garota infeliz fazer alguma coisa mais interessante.
Meus dias se resumiam em ficar estudando e mexendo no celular quando já não aguentava mais ver cadernos na minha frente. Eu até conversava com algumas meninas e me arrisquei a participar do coral, mas minha voz de taquara rachada não ajudou muito. Em um dos ensaios acabei conhecendo uma garota meiga, estudiosa e muito talentosa quando o assunto era cantar, e rapidamente me apeguei a Catarina. Nossa amizade era completamente diferente da amizade que eu tive anteriormente com Juliana e Amélia, era tranquila, leve e saudável. Ficávamos conversando sobre livros. Passei a ir à biblioteca com mais frequência. Estudávamos juntas e fofocávamos sobre as outras alunas sempre que dava. Ela também tinha pais rígidos e detestava estar em um internato, então tínhamos assunto de sobra, principalmente quando passava o final de semana e voltávamos de casa cheias de reclamações dos nossos parentes.
Pessoas novas sempre eram motivo de algazarra na nossa escola, e sempre tinha um motivo. Poucas meninas, como eu, simplesmente deram a má sorte de terem pais fanáticos por religião. A maior parte das garotas tinham feito algo de errado ou guardavam algum segredo, causando fofocas e comentários por todo o canto, o que deixava todo mundo curioso e ansioso com a chegada da mais nova integrante da Espada do Arcanjo.
A novata tinha cabelos curtos e ondulados, bem escuros, olhos castanhos, pele clara e lábios grossos. Era mais alta que eu uns bons centímetros e magra, com saliências sutis nos seios e quadris largos. Dava para notar que era mais velha e diferente das meninas que eu sempre via entrando na escola.
Mal a vi por dois dias, e mesmo em pouco tempo notei que estava sempre de cara fechada e olhos inchados. Provavelmente mais uma infeliz com pais loucos por religião, ou ela fez algo muito ruim e estava sendo punida. Foi estranha a chegada dela à escola, as freiras não seguiram o procedimento padrão de colocá-la em um dos dormitórios com a gente, ela não foi apresentada na sala de aula. Apenas chegou, sentou, estudou, saiu e sumiu, logo depois. Ela ficava distante de todo mundo. Ninguém sabia onde ela estava dormindo, ou o porquê de ela não poder estar junto a todos, na rotina normal da escola. Por algum motivo, não queriam que ela se aproximasse da gente. Nem sequer ouvimos seu nome sendo dito na chamada, e eu me perguntava o porquê de isso acontecer.
—Talvez seja porque ela é mais velha — Eu disse para Catarina no meio de uma de nossas fofocas diárias
—Talvez seja doente — Ela rebateu
— Pode ser uma alienígena, né, Cata?
— Safira!!! Muito mais fácil estar possuída.
Começamos a rir juntas.— Sabia que eu escuto vocês? Ouvimos alguém falar e a porta do dormitório abrir. A novata vestia calças longas de uma cor marrom escura, e uma camiseta branca amarrada acima do umbigo, e tanto seu cabelo quanto algumas partes do pescoço, ombro e blusa estavam molhados. Em sua mão uma toalha de banho com a letra "C" bordada.
—N... Não foi por querer, me... Desculpa — Cada centímetro meu tremia de susto.
— Pra que pedir desculpas, amiga? Ela quem devia pedir por bisbilhotar a conversa dos outros! — Catarina cruzou os braços, tentando não mostrar que também se assustou, mas estava branca feito uma folha de papel.
— Primeiramente, eu não estava bisbilhotando — Ela revira os olhos e sorri — Eu estava apenas entrando. Janice me disse pra arrumar uma cama aqui pra mim, finalmente vou me juntar aos cordeirinhos sagrados de não sei o que e blá blá blá —Fez aspas no ar e algumas caretas, e eu, como palhaça que sou, não consegui me conter e comecei a rir, muito. Minha amiga me deu uma beliscada na coxa para eu me conter, o que teve zero de eficiência. Ri tanto, que acabei fazendo o som de um porco, o que desencadeou uma série de gargalhadas de ambas as garotas.— Ai, Safira, para com isso, senão vai me fazer chorar! — Catarina exclamou.
— Vocês duas são estranhas... — Concluiu a novata.
— Calma lá, meu anjo, a estranha aqui é você, até foi deixada de castigo quando chegou. Te isolaram num quarto cheio de alho, foi? E com água benta, porque você pode ser uma vampira ¬— Eu ainda ria muito. — Pode confessar pra gente. Você é uma bruxa, por isso te mandaram pro colégio, e por isso deixaram você longe, até prometer que não ia entregar nossas almas pro demônio — Quando eu disse a palavra "demônio", dei um pulo na frente dela, mas ela não se assustou como eu previa.
— Okay, já vemos que essa daí não tem miolos — Ela se volta para mim e de novo revira os olhos, em tom de deboche. Isso me deixa incomodada, mas decido ignorar. — Eu me chamo Celeste, e não, não sou bruxa, nem vampira, muito menos estou doente. — Nesse instante, ela faz uma pausa e olha direto para Catarina — Só sou meio diferente, e eles não gostam de mim por isso.
Ela dá de ombros e caminha até a cama vazia, que fica ao lado da minha.— Bom, as outras estão ocupadas, posso usar essa?
— É... Sim, claro que pode, mas... Quando diz "diferente" você quis dizer o quê?
— Bom... Vocês não precisam saber sobre isso. Eu não sou nenhum alien, nem tenho uma doença contagiosa ou sou uma assassina, ou seja lá o que 'cês' duas pensam —Celeste deu uma pausa com um longo suspiro — A minha família me mandou pra cá, porque dizem que eu sou podre, uma falha. Eu sou tratada como um erro. Porém só sou diferente, tá? Por favor, não falem mais sobre isso, me machuca. Preciso dormir, posso?
— Ah... Claro ... E desculpe, não quis te ofender.
Cutuquei Catarina e saímos de fininho, deixando-a lá. Eu vi que o tom da sua voz havia mudado, quase certeza de que ela iria chorar. Catarina e eu seguimos o dia normalmente, afinal de contas Celeste apareceu perto do horário do almoço e o cronograma escola prosseguiu de forma normal, fui para a sala de aula, mesmo não conseguindo prestar atenção em nenhuma palavra que a professora de história falava e assim se repetiu nas aulas de química, biologia e matemática. Divaguei o dia inteiro, Celeste me deixou curiosa e preocupada, principalmente por não esclarecer às pontas soltas que ficaram diante o mistério de sua chegada, isso não se faz com uma maria fifi como eu!
Fique muito mal em vê-la naquele estado sem poder fazer nada, me senti impotente e triste por estar brincando horas antes sobre a situação dela e por fofocar como toda a escola pelas suas costas, principalmente depois de descobrir o motivo de a tratarem dessa forma.
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De Todo Meu Coração
RomansaQuando a aluna nova começa a ser alvo de homofobia, Safira se vê em um dilema: manter a paz e segurança do seu ciclo de amizades ou tentar ajudar Celeste. Um drama romântico LGBTQIA+ para te fazer pensar e se apaixonar! • Contém gatilhos como homofo...