É meio louco escrever coisas que ninguém vai ler.
Ninguém vai ler: primeiro porque este não é o tipo de texto que o usuário do Wattpad costuma ler: não tem vampiro, não tem coreano, ninguém está nu.
Ninguém vai ler porque esse texto já está do meio pro fim do livro. Quantos livros você já começou? E destes, quantos você já terminou? Pois bem: as últimas páginas do livro nunca são lidas.
Ninguém vai ler: o Tik Tok e a pornografia banalizaram a dopamina. Pra quê ler cinquenta páginas para conseguir o biscoito, quando tudo o que você precisa é arrastar pro lado? Seu cérebro não é besta.
Ninguém vai ler. Amigos não vão ler. Esposa, talvez leia. Mas, coitada, se for ler tudo o que escrevo, não vai fazer mais nada da vida. E eu nem sou esse Shakespeare todo...
Será que meu filho, um dia vai ler?
Hoje, ele é uma criança de dois anos. Tudo o que ele gosta é Patrulha Canina. Um dia ele vai virar adolescente e vai querer saber de tudo, menos dos velhos escritos do pai.
Talvez, então, na vida adulta. Talvez depois que eu morrer. Aí sim, ele debrucará diante de tudo o que o pai escreveu. Mais por saudade. Por remorso. Ou até por gosto, mesmo.
Escrever é permanecer vivo, mesmo depois que a gente morre.
Talvez, um dia, ele recorrerá a tudo o que eu escrevi, e então ele vai poder matar saudade de mim. Ele me encontrará em meus escritos. Ele vai rir das minha comédias, vai discordar das minhas críticas, vai conhecer as minhas falhas. Vai descobrir que eu era apenas um ser humano, metido a escritor, com um português ruim.
Então, assim a gente entende porque escreve. Não é pra ficar famoso. Não é pra ganhar like. Não é pra ser lido. Não é pra atender a sanha capitalista de ninguém.
A gente escreve por motivos mais nobres. Maiores.
E quando a gente lembra disso, dá ainda mais vontade de escrever.
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Crônicas de um escritor extremamente rabugento
Historia CortaPra escrever, tem que pensar Quando mais eu penso, mais eu entendo Quanto mais eu entendo, mais mal-humorado fico. Ou é só arrogância e rabugice, mesmo? (2021)