Como Ane chegou ao prostíbulo

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Ane Duarte; 20 anos.

Às vezes num pequeno intervalo de tempo me pego pensando em como tudo começou. Minha vida nunca foi fácil mas, ela conseguiu ficar radicalmente pior que antes.

É triste pensar que uma menina de 17 anos foi submetida a se prostituir contra a sua vontade. É triste lembrar que essa menina sou eu. Quando me dei conta, já estava completamente inserida, em um mundo que eu não escolhi.

Me lembro como se fosse hoje. Eu estava no auge dos meus 17 anos, formada no ensino médio mas, já carregando muitas dores, pois perdi meu pai aos 15 anos. Perdi ele para o alcoolismo, de uma forma terrivelmente trágica.

Minha mãe resolveu sumir no mundo, me largando em um prostíbulo. No próximo ano eu completaria 18 anos e essa foi a desculpa dela para me abandonar da forma mais cruel, desonesta e imperdoável.

Na época eu era totalmente dependente da minha mãe. Tinha acabado de encerrar a escola, estava sonhando com a faculdade e, tantos outros sonhos que vamos nutrindo durante a adolescência mas, tudo isso foi interrompido, me fazendo viver o que eu não escolhi.

Eu era tão ingênua, não conhecia o mundo, era apenas uma adolescente de 17 anos, que vivia como uma adolescente de 17 anos. Até os 17 eu não pulei nenhuma fase da minha vida e vivia sem pressa. Era rodeada de amigos, inclusive, tinha até um namoradinho da minha idade e era uma relação muito boa.

De repente fui arrancada do meu ciclo social, parando em uma cidade totalmente desconhecida por mim e tive que me acostumar com a nova vida.

Kate e Mateo são os donos do prostíbulo e foi a eles que minha mãe me entregou, tendo em vista, que eu ainda era de menor. É difícil de assimilar que a mulher quem te criou foi capaz de tal feito.

No início, eu tentei de tudo, gritava, chorava, fiquei totalmente relutante. Eles guardavam os meus documentos, me impossibilitando de ter em mãos e diziam que eu teria um bom tratamento e comida no prato, se fizesse por onde e alegando que eu tinha livre arbitro, até porque era impossível me manter em cárcere privado, mas garantiam que conseguir emprego não seria uma tarefa fácil, já que eu não tinha experiência com nada. Hoje em dia, eu tenho acesso a todas as minhas coisas. Aquilo funciona como uma pressão psicológica, até te fazer refém disso tudo. Acaba que aceitamos e tiramos o nosso lucro, afinal, trabalho é trabalho.

Até raciocinar que eu venderia o meu corpo em troca de dinheiro foi um processo. Já me submeti a muitas coisas nojentas e desrespeitosas. Passei de tudo um pouco e sempre tentando sobressair em todas as situações, mas às vezes não temos soluções para tudo. Agora, me encontro sem saída, só tentando lidar com o turbilhão de novidades.

Me vi grávida e fiquei e talvez ainda esteja totalmente desnorteada por N motivos. Eu acho que ninguém nunca está preparado para o que vem pela frente, vivemos o momento, vivemos o presente e o futuro não tem como prever. De repente, somos surpreendidos com algo indesejado. Uma prostituta grávida é tudo que não pode acontecer dentro de um prostíbulo.

Nunca pensei em ter filhos, mas tinha em mente, que se por algum acaso acontecesse, não era nesse ambiente que eu planejava. Como eu vou criar uma criança no meio disso tudo? não é um olhar de julgamento. É sobre bem estar e conforto. Uma criança jamais vai ter bem estar e conforto num lugar como esse. Não temos casa, vivemos todas aqui, em função disso.

Ainda estou muito atordoada com essas informações. Para completar, Kate e Mateo me esculacharam de todas as formas possíveis e fizeram questão de salientar que eu era a única culpada dessa história toda.

Eu realmente não faço ideia de quem é o pai dessa criança. Sempre usei camisinha em todas as relações sexuais. Mas obviamente é muito mais fácil me culpar, do que tentar entender todo o contexto. É mil vezes mais fácil acreditar que a culpa é minha, do que de uma camisinha que já estava furada ou furou. Não sei o que pode ter acontecido. Mas sei que quem vai segurar essa responsabilidade sou eu.

Estou com uma barriga de quatro meses, visivelmente aparente, já engordei bastante nesse meio tempo. Meu corpo vem modificando cada vez mais. É até possível continuar com os trabalhos, mas definitivamente, não tem como se sentir confortável. Eu tentei nos primeiros dois meses, mas aquela situação me fazia muito mal.

Kate e Mateo viram que seria impossível continuar. Atualmente eu cuido do bar, servindo bebidas e faxino o estabelecimento. Diga-se de passagem, estou faxinando e servindo bebidas por uma mixaria.

Tentando arrumar um pré-natal em algum postinho do SUS, porque eu não tenho dinheiro pra nada. Não sei nem como vou sustentar meu filho. Tem sido dias de muita angústia e tristeza.

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