Não estão muitas pessoas na rua, mas as que estão, trabalham. Uns transportam produtos nas carroças, outros nas mãos, vejo uma mãe a levar o seu filho ao colo, um casal atrás de uma banca, a vender jarros de algo parecido com barro. Mas nenhum deles se parece com o Kiell, têm a pele mais pálida que ele, o cabelo branco, mas o que me impressiona mais são as suas asas. Todos eles as têm, nenhum as esconde. São enormes, como se tivessem dois balões colados às costas, são escuras, mas parecem ser finas, quase consigo ver através delas. Eles conseguem voar? E o Kiell? Também consegue?
Ele tem aqueles dois cortes no seu robe, será que são para as suas asas? Ou estará apenas a usar a roupa deles mesmo não fazendo parte deles?
Parecem uma espécie completamente diferente do Kiell, porque as pessoas do Sul serão tão diferentes? Quero perguntar-lhe, quero falar sobre tudo o que vejo, mas pela postura hirta do Kiell não ouso, sinto que devo estar alerta e como ele nos avisou, de cabeça baixa, então obedeço.
Ele quer que passemos como um deles. Com estas roupas ninguém diria que não o somos, estamos completamente escondidos, só se subir a viseira é que alguém notaria. Os nossos corpos são similares, o mesmo número de membros, construídos da mesma maneira, passamos despercebidos.
Só estou a tentar perceber porquê, porque é que eles são hostis para quem não é daqui se portais são algo normal para eles, se o rei tem este poder não deviam estar habituados a ver alguém de longe?
Porque temos que nos pôr atrás dele, em formação como soldados, para parecer os seus seguranças? Porquê?
E porque temos que passar pelo meio das ruas? Não poderíamos ter dado a volta às casas, ter ido por uma rota mais discreta?
Faço nota mental de lhe perguntar tudo isso enquanto caminhamos.
As pessoas sabem quem ele é, mal o apanham, não tiram os olhos dele. Não parecem gostar dele, os seus olhares são de nojo, como se ele fosse um desconhecido, um assassino, alguém de quem se devem afastar. Talvez seja por isso que ele parecia tão triste quando disse que o trouxeram para aqui do Sul, se calhar passou um mau bocado por ser diferente.
Consigo sentir o ódio de todos eles, tudo direcionado ao rapaz de pele azul à nossa frente, mas ele não se deixa afetar, suponho que já esteja habituado. O homem que passa por nós, quase me raspa pelo uniforme para poder olhar para o Kiell, para o que está a fazer para poder observá-lo, mesmo que com cara de quem é capaz de lhe saltar para cima. Engraçado como o ódio é tão visível, mas nenhum deles atua sobre ele, não há uma palavra, um aceno, um movimento menos simpático, é como uma celebridade odiada ao qual ninguém deseja acertar, apenas julgar.
Ele acelera o passo quando as casas se tornam escassas e vejo a floresta mais à frente. Não sei quanto tempo andamos, só sei que me doem os pés, as ruas não são niveladas e os sapatos magoam-me.
Mal passamos as árvores há um suspiro comum, como se houvesse um alívio instantâneo, aqueles olhares, manter a forma, andar sem parar e sem falar.
— Porque te odeiam? — O Helian pergunta, puxando o fato até ao pescoço, finalmente apanhando algum ar. Faço o mesmo logo a seguir, tenho que pôr a cabeça de fora, já não aguentava muito mais. Ele também percebeu, acho que todos nós chegamos a essa conclusão.
— Porque sou responsável por eles. — Então a sua casa é maior que os outros porque ele é como um presidente naquela aldeia, uma figura de autoridade. — E não nasci aqui, por isso não sou digno. — Ele completa, sem esperar por mais perguntas que sei muito bem que sairiam da boca do Helian se ele não as esclarecesse. O Helian abana a cabeça, obviamente notou que ele não é igual aos habitantes da aldeia.
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Chasing Rings
FantasyComo seria descobrir um planeta novo? Como seria tentar fugir dele? Tam é uma humana com uma vida redundante, sem sentido e sem propósito. Talvez por isso viva uma vida desonesta, roubando para poder pagar as despesas que a mãe não paga. Tudo muda...