O Escolhido

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Não consigo adormecer, mesmo que esteja cansada, as perguntas não me deixam dormir.

Porque vieram falar comigo, como se eu soubesse de alguma coisa? Pelo menos obtive informações, nem sei porque eles responderiam ao que fosse.

Deveria ter ficado calada? Não, o Kiell já me fez o suficiente, e eu não fiz nada de mal, só contei como cheguei aqui, não achei que fosse algo de importante.

Pelos vistos para eles é, e muito. A reação dos dois não foi comum, eles perceberam algo que eu não apanhei, e odiaram. Irão fazer-lhe mal pelo que disse? A esta altura já deve ter fugido para longe com a mulher, já deve estar nas suas terras, feliz, sem qualquer arrependimento de ter entregado quatro pessoas à morte.

Ele sabia para que íamos ser usados, fê-lo na mesma. Sabia que íamos ser escravos, objetos com um único uso, dar a vida.

Vestiu-nos, alimentou-nos, protegeu-nos, e depois cravou a faca.

Perco a minha chance de dormir durante o dia quando ouço movimento do outro lado da porta.

É agora, vai começar.

A matança vai ter o seu início e eu vou ser a primeira.

Como esperava, atrás daquelas portas não são os irmãos, nem um Kiell arrependido, nem mesmo um Helian livre e em fuga. Os guardas entram pela cela na minha direção, com um puxão, um de cada lado, arrastam-me para fora.

É estranho ver aquele corredor novamente, ver além daquela jaula. Parece que se passaram meses, a luz incomoda-me, até as pernas parecem fracas, esquecidas de como fazer o seu trabalho.

Fazem o caminho para o grande salão, para onde pensava que me levariam, se o Rei é o único que cria os portais, se alguém vai passar por eles comigo, ele tem que estar presente. Recordo-me do trajeto, fiz por decorá-lo, sabendo que ia ficar ali fechada.

La está a fila de mulheres de um lado e do outro da porta, e o segurança no centro, à minha espera.

Como se fosse a sua deixa, vira-se para as portas de correr e abre-as suavemente, uma das mulheres anuncia que vou entrar e usa o meu nome. Quem é que lhe partilhou essas informações? Os irmãos ou o Kiell?

Percebo que tenho a chance de lhe perguntar quando o vejo, em frente ao Rei, ajoelhado, de cabeça baixa. Reconheço-o mesmo com a cabeça baixa, estranho, pensava que ele estaria do outro lado do mundo neste momento. Achei que tivesse fugido, será que não lhe entregaram a mulher?

Quase deixo sair um guincho da garganta quando ele levanta os olhos para mim, ouviu o meu nome, sabe que estou a entrar, quer ver-me. Talvez para ver se estou realmente viva, já que foi ele que me entregou.

Tenho o instinto de lhe saltar para cima, nunca fui impulsiva e muito menos violenta, é a primeira vez que tenho este sentimento. É tão forte, como se a cabeça reagisse com raiva imediatamente, as pernas que antes não queriam funcionar, têm o desejo incontrolável de saltar, de correr, de o espezinhar.

Controlo-me, não sei bem como, mas mantenho-me imóvel quando os guardas me levam para a sua beira. Fazem-me ajoelhar ao seu lado, ambos virados para o Rei. Ainda não lhe dou atenção, nem para uma saudação, como o Kiell fez quando chegou, não lhe devo nada.

O rosto do Kiell é o que mais me puxa neste momento, está coberto de cortes, pela testa, as bochechas, no lábio, e tem um dos olhos inchados.

O que é que lhe aconteceu? Está pior que eu.

O grupinho de irmãos está aqui, todos olham para mim com curiosidade, menos o Rai, que parece ansioso, será que foi ele que o magoou?

— A miúda já está aqui. Podem explicar-me agora porque é que tenho o meu filho algemado? — Quando o homem se pronuncia o Rai aproxima-se apenas para desamarrar as mãos do Kiell, ele agarra-se aos pulsos, parecem pisados daqui, durante quanto tempo esteve assim? Espero que o seu irmão fale, olho para o Rai para que comece o discurso, mas ele volta ao seu posto, braços atrás das costas, cabeça baixa.

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