A Última Noite

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Quero dizer-lhe que não sei como me sinto sobre isso, que quero muito voltar porque sei que é onde pertenço e tenho a minha vida, para além disso não conheço mais nenhuma vida senão a que tenho lá. Mas também sei que não encaixo de todo lá, que não estou satisfeita com a minha vida e que sinceramente, gostaria de começar de novo. Seria algo que gostaria de tentar quando voltasse.

No entanto, não me quero esquecer do que fiz aqui, e de quem conheci.

Não quero que o Kiell passe a ser outra vez o amigo imaginário.

Quero conhecer a Bell e o Mateen melhor.

Não quero esquecê-los, não quero deixar de os ver.

A verdade é que gostaria de ver mais deste mundo, mais do que as criaturas que me podem magoar, mais do que o que há dentro destes muros, quero ver paisagens bonitas e diferentes, conhecer pessoas diferentes, ver mais flores como as que vi, viver numa casa como esta.

É assim tão mau imaginar algo assim?

Sinceramente parece que estou só a fugir das minhas responsabilidades no meu mundo.

Eu sei que parece. E se calhar é isso mesmo que estou a fazer.

A querer fugir.

Mas o que posso fazer quando só conheço dificuldades e sentimentos azedos? Alguém me culparia por pensar em desaparecer? Acho que não, ninguém bateria uma pestana se ficasse aqui com o Kiell, não que ele aceitasse, e eu realmente nunca lhe pediria para que me ajudasse, mas acho que não seria tão mau ficar por aqui.

Se ao menos pudesse.

Mas sou diferente deles, coisa que o Kiell diz não aceitarem, e sou demasiado fraca para o fazer.

O Kiell nota que a cabeça vagueou para longe e dá-me um pequeno encontrão para que saia da frente do fogo. Pelos vistos a comida está quase pronta, e eu não devo atrapalhar.

Somos presenteados com uma bela mistura de vegetais e carne, tudo bem cozinhado, temperado e com um molho espesso delicioso. Sem cadeiras, temos que nos sentar em frente à mesa, no final da refeição estou com as pernas dormentes.

Como a carne que tem um sabor tão parecido com o de casa e os vegetais que são tão doces como guloseimas, que de alguma forma, misturado com o molho, fica a melhor coisa que alguma vez comi.

Parece ser um prato típico da região, uma mistura de castanhos e laranjas.

Estamos a comer com um género de pinça, apenas um talher, nada de garfos ou facas, não é necessário cortar absolutamente nada, e bebemos de um copo tão pequeno que preciso de o encher múltiplas vezes.

Vejo algumas caretas ao meu redor, toda a gente reage à comida à sua maneira, o Mateen parece maravilhado, come o mais rápido que consegue e pede uma segunda vez, a Bell vai estranhando, mexendo com a comida como se fosse explodir a qualquer momento, e o Helian come sem querer mostrar se gosta ou não, acho que já fica satisfeito por ter alguma coisa no estômago.

Sorrio com todas as expressões, somos de sítios completamente diferentes, adoraria visitar cada um, desde que fosse seguro. Gostaria de saber como é o ambiente, como são as pessoas, a comida, os cheiros e paladares, tudo.

— Gostas? — O Kiell, que agora noto que está a observá-los como eu, pergunta-me expectante. Abano com a cabeça e levo outra colherada à boca, sinto como se a mistura me fosse arrepiar por completa, mas tudo se torna delicioso depois da cabeça deixar de estranhar. — E tu Bell? — Ela encolhe os ombros, pega no prato e bebe o molho, sem tocar na comida em si.

— Não sei se posso comer sólidos. Não tenho isto em casa. — Até agora só a vi beber água, tenho medo que ela fique sem forças, se estivesse no meu mundo poderia dar-lhe uma bebida açucarada, mas aqui não sei o que arranjar para ela beber.

Chasing RingsOnde histórias criam vida. Descubra agora