Arthur Cevero

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    A estrada continuava da mesma forma como eu lembrava. Mesmo sendo um pouco estranho passar sobre ela dentro de um carro ao invés de uma moto, como eu fazia. Pela janela aberta, eu encarava a floresta que rodeava todo o lugar e o sereno fazia meu rosto ficar gelado. Mas não me importava, o frio me mantinha acordado e impedia as lágrimas de descerem.

    Ivete, minha mãe, encarava a estrada com atenção e segurava o volante com força. Seus cabelos prateados, presos num rabo de cavalo, mexiam levemente com o vento suave que entrava pelas janelas abertas. Ela sabia o caminho de cor, não precisava prestar atenção, podia fazer de olhos fechados. Deveria estar pensando em outra coisa, talvez no quarto vazio da nossa nova casa.

    Tateei meus bolsos e puxei meu isqueiro. Encarei aquele homem, brandindo o dedo do meio para qualquer um que olhasse. Lembrei do meu pai, da minha gangue, minha família. Às vezes escutava sua voz em meus sonhos. Ele me pede para tocar a primeira música que aprendi, a minha mãe e meu irmão aparecem ao seu lado sorrindo e incentivando o pedido.

    Eu gosto desses sonhos.

    Dou um suspiro pesado e sinto uma mão pousar em minha perna. Ivete me encara com um olhar de compaixão, assim como seu sorriso de lado. Sua mão volta para o volante e seus olhos para a estrada, mas antes ela me olha de novo e diz, com o semblante tomado pela tristeza:

    — Eu também sinto saudade.

    Só tento segurar o choro e concordar com a cabeça. Meus olhos se voltam para a estrada e eu avisto, ao longe, aquele bar. O bar que é repleto de histórias e que me apresentou uma nova família. Seguro o isqueiro com força.

    — Arthur, — Ivete diz segundos depois de para o carro no estacionamento do Sovaco seco. — vai lá. Fique o tempo que precisar. Não sei se consigo.

    Guardo uma das únicas coisas dos gaudérios no bolso do meu casaco e seguro a mão dela. Levo até minha boca, dou um beijo e devolvo um sorriso carinhoso.

     — Está tudo bem.

     Ela sorri, com os olhos cheios de lágrimas e me puxa para um abraço. Ficamos um bom tempo ali, aproveitando a presença e o abraço um do outro. Enfim ela se afastou limpou algumas lágrimas do meu rosto e me deu um beijinho delicado na testa.

    — Eu te amo muito, tá bom?

    Reprimo um soluço e murmuro o mesmo para ela. Encaro a maçaneta da porta por alguns segundos antes de abrir. Estava com medo. Também não sabia se conseguia lidar com isso, talvez ainda não. De qualquer forma, já estávamos aqui e eu fiz uma promessa.

    Uma vez por mês, ele disse.

    Levei minha mão na maçaneta e abri a porta. O ar estava bem frio e tinha uma névoa fraca. Parei no meio do caminho, em frente ao bar. Por um momento, consegui ouvir o movimento do bar quando tinha show. Ver as pessoas animadas, ouvir meu pai e os outros membros da gangue conversando e brincando um com os outros. As bebedeiras, os shows da banda, tantas lembranças...

    Me virei para o outro lado e encarei a floresta, ainda com vestígios do incêndio. E, mais uma vez, lembrei daquele dia. Conseguia lembrar do Cesar esmurrando o chão e gritando, Joui e Liz ao seu lado, Thiago gritando pelo nome do Cris e as chamas vermelhas quase consumindo o que sobrou dele.

    Uma chuva fraca começou, me fazendo relembrar mais ainda daquele dia. Virei meu rosto para o chão e coloquei a minha mão no bolso novamente. Respirei fundo e continuei andando, até chegar lá. Assim que olhei para à terra remexida a minha frente e as poças que se formavam com a chuva, encarei por mais alguns segundos e, enfim, disse:

    — Oi, pai. Vim te visitar. Como eu prometi.

Depois da chuvaOnde histórias criam vida. Descubra agora