Capitulo 7 - Ferrado

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Quase uma semana havia se passado desde que falei com Quico pela última vez.
As vezes eu o via andando pela vila conversando com algum dos moradores. Outras vezes via ele conversando em outra língua estressado andando de um lado pro outro. As vezes via ele e o Inhonho indo ou voltando com roupa de esporte de algum lugar. Mas ninguém me via.

Era sábado à noite, talvez uma ou duas da manhã quando ouvi várias vozes de pessoas que eu não conhecia entrando na vila, até ouvir a voz de Quico e Inhonho rindo de alguma coisa que outro garoto falava. Eu estava dentro do barril tentando dormir a essas horas.

- Eu quero muito ver esse filme. - uma garota disse.
- Soube que seu pai liberou a casa de praia no verão. - um garoto disse.
- Sim, podemos fazer uma festa de fim de ano também. Não está tão distante, podemos organizar.
- Vamos fazer isso. - o garoto da voz se encostou no barril, pelo barulho.  - eu estava pensando em contratar um barman, aquele de North Caroline, ele era muito bom.
- Ei não... - A tampa do barril se abriu e um lixo de restos de comida caiu em cima de mim, a bebida virou na minha cabeça me enxarcando de alguma coisa doce e grudenta. Me levantei de uma vez no susto, e me assustei ainda mais quando os cinco a minha frente me olharam com olhos arregalados, droga.
Eu ainda vestia apenas a blusa longa que ia até meu joelho, porque meu dinheiro que havia ganhado a alguns dias atrás havia sido me tomado pelos agiotas no dia seguinte e eu havia levado uma boa surra, meu rosto, braços e pernas estavam todos marcados por tentar me proteger.

- Nossa... Desculpa eu achei que era lixo. - O garoto disse me olhando de cima a baixo enquanto eu saia de dentro do barril.
Quico deu um passo em minha direção.
- Chaves o que... - Inhonho tocou no ombro de Quico balançando a cabeça negativamente, pedindo pra ele se afastar de mim.
- Tudo bem. - forcei um sorriso para o garoto que se mostrava arrependido. - eu estou acostumado, não se preocupe.
- O que estava fazendo nesse barril? - a garota ao lado de Quico disse. Ela era bonita, muito bonita. Será que...
- Ah... eu durmo aqui.
- O que aconteceu com seu rosto? - o garoto que havia jogado o lixo deu um passo em minha direção e também foi segurado por Inhonho que o advertiu.
- Não se aproxime, ele não é confiável. - Inhonho sussurrou alto o bastante pra todos que estavam ali ouvir, inclusive eu.
- Chaves você está bem? - Quico puxou seu ombro saindo das mãos de Quico e se aproximou de mim o bastante pra tocar minha bochecha cortada.
- Aí... - gemi de dor com o toque.
- O que houve? - ele sussurrou.
Levantei a cabeça encontrando seus olhos escuros que me olhavam arregalados, preocupado. Ah... Se ele soubesse o quanto isso mexia comigo, ele se afastava.
- Eu estou bem. - sussurrei novamente. - Não foi nada. - segurei sua mão que ainda estava em meu rosto. O olhando, e eu pude jurar que por segundos seus olhos desceram até a minha boca, talvez fosse pelo cortado que havia nela, mas não era isso que tinha parecido.
- Não é isso que parece, quem fez isso com você? - ele franziu as sobrancelhas e voltou a me olhar nos olhos, seu olhar era tão intenso.
- Não devia se preocupar comigo Quico.
- Vou te ajudar a fazer alguns curativos.
- Não precisa. - sussurrei.

- Quico vamos. - a garota disse. Por segundos eu esqueci que havia mais gente ali nos observando. - Vamos dormir na sua casa, lembra? Festa do pijama. Aproveitar que sua mãe não está em casa. Vamos...

Eu não sabia explicar o motivo mas aquilo me doeu um pouco.

- Vai. - Soltei minha mão da dele e olhei para trás, os quatro nos encaravam.
Me virei de costas e fui até o fundo da vila para me limpar. Estava bem frio, seria uma tarefa difícil. E eu nem tinha outra peça de roupa, ou eu ficaria com ela molhado de seja o que lá que o garoto havia me jogado ou eu ficaria pelado, eu não tinha tantas opções.
Vesti minha cueca que estava no arame ainda úmida e tirei minha blusa para tentar limpar ela molhando o mínimo possível. Quando terminei de lavar coloquei ela no varal enquanto me enfiava de baixo da mangueira gelada para esfregar meu cabelo. Estava tão frio.

- O que está fazendo? - Pulei de susto no mesmo lugar escorreguei quase caindo. Até sentir duas mãos me segurando forte.

Eu estava molhado dos pés a cabeça e consequentemente molhei o Quico que me segurava.

Me afastei quando percebi que estava o molhando.

- Chaves você quer ficar doente de novo? Está fazendo 6 graus. E você está... - Seu olhar desceu pelo meu corpo semi nu e eu abracei meu corpo desejando evaporar dali.

- Eu...

- Vem, vamos pegar uma roupa quente pra você e uma toalha. Você precisa de algo quente pra tomar e... - Ele me pegou pelo pulso e saiu me arrastando, mesmo eu tentando me desvencilhar.

- Frederico... - Ele parou me olhando com cara de bravo.  - Eu estou bem. Não é a primeira vez que isso acontece.

- Estamos entrando no inverno Chaves, vem. - Ele se virou me puxando novamente.

- Ei... Onde você está me levando? Eu estou só de cueca. - Ele continuou me arrastando até a porta de sua casa. - Eu não vou entrar aí não Frederico, sua mãe me mataria.

- Não tem ninguém aqui Chaves. - Ele abriu a porta da casa e me arrastou pra dentro.

O meu corpo todo se arrepiou quando entrei na casa, ela estava quente, a lareira estava ligada e com certeza o aquecedor também.
Quico colocou algo sobre meus ombros, quando olhei vi seu casaco preto de lã em volta do meu corpo semi-nu.

- Onde está seus amigos?

- Eu os mandei ir embora. - Ele caminhou até a cozinha e parou do outro lado do balcão mexendo em alguma coisa no fogo.

Abracei o casaco do Quico sentindo todo meu corpo se aquecer aos poucos. O casaco cheirava chocolate. Havia muitos anos que eu não comia chocolate, a última vez foi o próprio Quico que havia me dado algumas trufas de natal. Mas chocolate era o cheiro do Quico, sempre foi. Embora anos haviam se passado, ele ainda tinha o mesmo cheiro doce.

- Toma. - Ele parou na minha frente com um copo na mão. - Esta bem quente, toma cuidado pra não se queimar.

Peguei o copo de sua mão sentindo meus dedos se aquecerem automaticamente com o calor do copo. Levei até a boca o líquido marrom.
- Aí... - Senti o líquido queimar minha boca e minha língua.

- Você parece uma criança Chaves. - Ele riu baixo e se aproximou de mim parando ao meu lado e levou um de seus dedos até o canto da minha boca.

Eu olhei seus movimentos quase como se ele estivesse fazendo isso em câmera lenta. Ele era tão bonito que meus olhos doíam. Ele passou o dedo no canto da minha boca tão inocentemente, fazendo meu corpo reagir de outra forma.

Dei um passo para trás me afastando do seu toque e de seus olhos atentos aos meus lábios.

- Onde está sua mãe? - perguntei.

- viajou.

- Hm...

Me virei de costas e caminhei até perto do sofá, que parecia branco de mais. As almofadas estavam tão bem arrumadas uma ao lado da outra que eu me questionei quanto tempo a pessoa havia levado pra arrumar aquilo.

Me aproximei da lareira e me sentei no chão, sentindo o calor que ela emitia, junto ao chocolate quente aquecer meu corpo quase como um abraço.

- Porque está sentado no chão? - Quico disse se sentando no sofá atrás de mim.

- Hm... Não quero sujar nada. 

- Você acabou de tomar banho Chaves, senta aqui ao meu lado.

Virei o rosto observando Quico sentando no sofá em uma postura perfeitamente ereta e nada relaxado. Mesmo parecendo nervoso ele ainda tinha um sorriso gentil nos lábios.  Seus cabelos totalmente bagunçados era o que tirava um pouco sua postura séria.

Eu soube naquele segundo que eu estava totalmente ferrado.

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