Capítulo Dezenove

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Victor Decker:

Grimalkin desapareceu, provavelmente partindo de vez em busca de outra pessoa com quem fazer acordos. Pauline e Bruno também quiseram ir embora, preocupados com o fato de seus pais estarem ficando inquietos com a hora avançada.

Senti a sensação de desejo de voltar para casa brotar em meu peito. Finalmente, tudo havia terminado, e eu poderia retornar à minha família e tentar, ao máximo, ter uma vida normal.

Ao chegar de volta ao apartamento de Caroline, desabei no sofá e nas poltronas, completamente exausto. Pouco depois, um entregador chegou com comida de sobra. Agradeci à minha amiga, que sorriu em minha direção.

Caleb pegou um pouco de comida, mas fez questão de manter uma distância considerável de mim.

— Será que ele vai continuar agindo assim com você? — Caroline perguntou.

— Caroline, não importa — respondi. — Apenas deixe para lá.

Depois de encher o estômago com uma refeição farta, cambaleei até a cama e caí nela, totalmente exausto.

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Naquela noite, pela primeira vez, sonhei com o Rei das Sombras em uma visão ainda mais vívida. A cena era estranhamente familiar. Eu estava na sala do trono, sentindo até o vento quente da memória que queimava meu rosto, carregando o aroma de algo tóxico.

Dessa vez, a visão de Ambres estava mais nítida do que nunca. Ele sorriu para mim, seus olhos carregados de um brilho sombrio.

— O que achou de usar meus poderes? — Ambres perguntou, estendendo a palma da mão na minha direção. — Vejo que está aceitando muito bem os dons que concedi a você.

— Por que me deu os poderes das sombras? O que ganha com isso? Lembra que eu o matei, como pode estar vivo novamente nesse lugar? — Questionei, com desconfiança em minha voz.

Ambres riu amplamente, como se estivesse se divertindo com minha perplexidade.

— Projetar uma parte da minha essência nas sombras é algo bastante simples, não precisa se preocupar com isso. Desta forma, não posso dominar sua mente. — Ele falou com calma e depois observou sua própria palma, seus poderes se manifestando. — Ainda não compreende? Eu quero que destrua os feéricos, e sabia que o NeverNever faria de tudo para salvar você. — Então, com serenidade, analisou a palma da mão, seus poderes cintilando. — Assim como eu, essas terras desejam usá-lo como uma arma de guerra. No final, você será apenas uma ferramenta, tanto para mim quanto para as malditas Cortes e para as terras das fadas.

— Eu não sou uma arma. — Retruquei com irritação, mas Ambres apenas riu.

— Vejo que também já percebeu que não é mais um simples humano. — Ambres disse. — Aquele lado humano está se perdendo à medida que retorna à vida. Tenha cuidado em quem vai confiar, seus poderes começarão a dominar sua própria mente e você se sentirá como uma criatura destituída de sentimentos.

Ambres se sentou no topo de seu trono sombrio, seus poderes desaparecendo lentamente. Raios de energia sombria irradiavam de seus ombros e coluna vertebral, assemelhando-se a asas brilhantes.

Dei um passo à frente, encarando a silhueta no trono.

— Ambres! — Chamei, minha voz soando frágil e pequena à mercê do vento. — O que está fazendo comigo? Por que seus pensamentos estão se tornando mais presentes à medida que meus poderes despertam?

— Estou apenas sendo seu guia para controlar todos os dons das sombras. — Ambres respondeu e ergueu a cabeça, a coroa sombria brilhando em sua testa. — No final, serei seu único aliado.

— Não, você nunca será! — Gritei, mas Ambres apenas riu enquanto desaparecia diante dos meus olhos.

Em um piscar de olhos, a sala do trono desmoronou ao meu redor, os contornos das sombras desfazendo-se como poeira levada pelo vento. Fui engolido pela escuridão, e a sensação de queda livre tomou conta de mim. O vazio parecia não ter fim, uma imensidão negra e opressiva que me envolvia, deixando-me desorientado e incapaz de distinguir o alto do baixo. Cada segundo que passava naquele abismo era uma eternidade, e a sensação de desamparo crescia dentro de mim.

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Acordei abruptamente, meu coração martelando contra as costelas, um suor frio escorrendo pelas minhas costas. Olhei ao redor para ver as sombras do quarto transformadas em espinhos afiados.

Balancei a cabeça, tentando acalmar minha respiração e desfazer os espinhos que se formavam. Não conseguia me lembrar da última vez em que tinha tomado um banho de verdade, então decidi que seria melhor tomar um, algo que meu corpo merecia, e depois me vesti com roupas limpas.

Apesar disso, não consegui mais pegar no sono. Fiquei sentado na sala, olhando para o nada, até que Caleb apareceu e ficamos nos encarando por alguns segundos.

— Também não consegui dormir — Falei, quebrando o silêncio entre nós. — Caleb, sinto muito por não ter te contado sobre os meus poderes das sombras, mas eu precisava deles.

— Você viu como ficou quando usou esses poderes? Aquelas asas negras enormes surgiram das suas costas, seus olhos quase se tornaram completamente negros, e as sombras se moldaram à sua vontade. — Caleb disse. — Além disso, havia uma quantidade imensa de poder emanando de você, era como se uma aura de morte se formasse ao seu redor. — Ele fez uma pausa, passando a mão pelo cabelo. — Parecia que, se eu dissesse alguma coisa a mais, você poderia me matar a qualquer momento.

— Não precisa ter medo do que possa acontecer comigo, ainda sou apenas eu — Respondi.

— Talvez eu devesse ter deixado que aqueles seres me devorassem e colocassem um fim em tudo isso. — Caleb falou. — Não deixe que suas emoções atrapalhem o caminho. Se você quiser sobreviver em qualquer lugar, precisa começar a pensar como os feéricos.

— Bem, eu não sou como nenhum feérico. — Levantei do sofá, tentando ignorar a raiva que crescia dentro de mim. — Eu sou humano, com sentimentos e emoções humanas. E se você quer que eu peça desculpas por isso, pode esquecer. Não posso simplesmente desligar meus sentimentos. Mesmo que, na próxima vez que você estiver prestes a ser devorado ou morto, eu não perca tempo para salvar sua vida.

— Não sou ingrato. — Ele murmurou. — Só quero que você entenda. Os feéricos atacam os mais fracos. É da natureza deles. Eles vão tentar te derrubar, fisicamente e emocionalmente, e eu não estarei sempre ao seu lado para protegê-lo. — Ele se aproximou, e eu dei um passo para trás, um sorriso amargo se formando em seus lábios.

— Eu não preciso de alguém para me proteger, pelo menos não do jeito que você está pensando — Falei, e seus olhos brilharam perigosamente. — Só quero...

— Robbie Goodfellow — Caleb disse secamente. — Eu sei que você ainda o quer muito.

Ficamos encarando um ao outro em silêncio.

— Por que mencionar o nome dele agora? — Questionei, e Caleb se aproximou, inclinando-se para me beijar, mas me afastei. — Sinto muito, mas não posso fazer isso. Seria cruel demais criar uma ilusão de que posso corresponder aos seus sentimentos.

Ele se afastou lentamente e começou a se afastar, um sorriso amargo ainda presente em seu rosto.

Antes que ele se afastasse totalmente, fui até ele. Não queria que essas coisas ficassem entre nós. Caleb era meu amigo, alguém importante para mim.

— Você nunca me deu a ilusão de que teríamos algo mais, na verdade, fui eu quem criou essas ilusões. — Caleb murmurou.

— Caleb, ao menos posso dizer que, durante esse tempo todo, você se tornou uma pessoa muito importante para mim. Tem a minha amizade e confiança. — Falei, e ele ainda permaneceu de costas.

— Não. — Ele disse, finalmente se virando e estreitando os olhos. — Você não poderá confiar em mim. Esse mundo é assim, e você vai se arrepender dessas palavras no futuro. — Ele me olhou por mais um momento e depois suspirou, afastando-se novamente.

Gostaram?

Até a próxima com o último capítulo 😘

Anjo das sombras | Livro 2: Mistérios de CambridgeOnde histórias criam vida. Descubra agora