A Penumbra

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A noite abraçava aquelas pobres almas como um cobertor negro e frio enquanto Clara mexia desesperadamente os últimos bastões de luz, tentando afastar as criaturas que se aproximavam dela cada vez mais, sussurrando vozes indistintas de suas últimas vítimas, o suor escorria pelo seu rosto, misturando-se com suas lágrimas de medo e tristeza, o único conforto que aquecia sua alma condenada era de que havia salvado a pequena garota, como anteriormente tinha prometido a pobre mãe dela. Após o que se pareceram uma década, a luz do último bastão desapareceu completamente na escuridão, iluminando por uma última vez os lindos cachos dourados e olhos castanhos-claro da jovem.

Um grito estridente chegou aos ouvidos da menininha, que corria desesperadamente por sua vida, fazendo todos os pelos de seu corpo, da cabeça aos pés, se arrepiarem. Ela respirava com dificuldade, seu fôlego estava no limite, suor molhava seus cabelos castanhos escuros, não havia tempo para olhar para trás, não havia tempo para voltar por Clara, "Não fique com medo Alice, me prometa que não vai voltar", foram suas últimas palavras à Alice, "E-eu prometo" foram as últimas palavras de Alice à ela, após insistência.

O silencioso ponderava sobre a enorme cidade de São Paulo que anteriormente havia sido habitada por milhares e milhares de pessoas, mas agora, tudo que restava eram as vozes das criaturas que sussurravam memórias perdidas no tempo e a menina amedrontada correndo pelas ruas escuras, perdida e sozinha.

Em uma fração de segundo, ela se viu caída no chão, tropeçando em algo, mas, ao olhar com atenção, o caminho por onde passara era plano e singular e não havia absolutamente nada onde ela pudesse tropeçar. Os bastões de luz amarrados em seu corpo tremularam brevemente, agitando os olhos e sorrisos brancos como a Lua que seguiam a pequena desde que o Sol pousara sobre o horizonte, uma voz grave e profunda surgiu nas costas dela, fazendo-a virar bruscamente. Um homem que aparentava estar na casa dos 20 anos de idade observava a garota com olhos sagazes, uma tocha brilhava com intensidade produzindo um fogo vermelho como sangue combinando com o seu cachecol de mesma cor todo maltrapilho.

-Venha pequena, eu vou te levar até seus amigos. - Ele proferiu aquelas palavras com certa excitação estranha na voz. - Eu ouvi dizer que essas criaturas repetem a última coisa que suas vítimas disseram, interessante, não é? - Falou, mas não olhava para menina, como se conversasse com outra pessoa e, em seguida, se virou e começou a caminhar na direção oposta de onde ela ia.

Sem saber muito o que fazer, a menina se levantou rapidamente, aproximando-se da perna do homem, que andava em linha reta sem olhar para trás nem mesmo para saber se Alice o seguia. No exato instante em que ela chegou perto dele, o mundo longe daquela estranha chama vermelha se tornou completamente preto, nem mesmo as luzes das estrelas e da Lua eram visíveis no céu, o chão não mais refletia nada e ela parecia pisar em um poço profundo e escuro, era como se estivesse presa em um de seus pesadelos e sua mãe fosse lhe acordar a qualquer instante, o frio na sua barriga se intensificou e ela fechou os olhos com força, desejando do fundo de seu coração que ouvisse agora a voz de sua querida mãe a lhe acordar, mas não foi isso que ouviu em seguida.

-Alice! Que bom que está bem, entre, rápido, seus bastões de luz não vão durar muito tempo. - A voz familiar de Maria Eduarda lhe acordou de seu transe.

Ela olhou para os lados, o homem que a ajudara não mais estava ali, havia desaparecido como poeira no ar, em seguida, ela olhou para cima para checar se as estrelas estavam de volta em seu lugar e soltou um leve grito de susto ao ver, por um milésimo, o homem das chamas escalates no alto daquele enorme hospital iluminado que se materializara em sua frente, ela tinha certeza que não estava nem próxima daquele local segundos atrás, então como aparecera ali?

-Entre, vamos, cadê a Clara? - Mesmo sabendo a resposta, ela perguntou, confirmando seus pensamentos pelo olhar de pêsames que tomou conta dos olhos azuis da criança. -Oh, meu deus, entre por favor, eu não posso perder mais um.

Maria Eduarda levou Alice junto com ela para dentro do hospital, as luzes brancas ofuscantes produzidas, de acordo com a mulher, por geradores de energia elétrica, quase cegavam os olhos da menina que já havia se acostumado com a escuridão, junto da luz, um alívio invadia o peito dela junto da certeza que estaria agora a salvo pelo menos até o amanhecer. Após andar alguns segundos, eles chegaram até a cafeteria do lugar, onde seus outros dois amigos, todos mais velhos que ela, a receberam com uma mistura de alívio e profunda tristeza no rosto e um abraço caloroso.

-Eu sinto muito, eu não consegui, eu não consegui trazer ela para vocês como eu tinha prometido... -Gaguejou Alice, liberando com vontade todas as lágrimas que havia segurado esse tempo todo.

-Está tudo bem querida, está tudo bem, pelo menos você está a salvo, é tudo o que importa por hora. -Disse cauã, com pesar na voz, soltando também algumas lágrimas.

Antes que pudesse falar mais alguma coisa, algo chamou atenção da menina: na janela, ela pode ver um pedaço de pano vermelho cair graciosamente, pairando pelo ar até pousar em cima de uma cerca. Nesse exato instante, um raio que surgira na noite sem nuvens acertara o teto do edifício e um enorme estrondo de trovão ensurdeceu a todos os presente, as luzes cessaram imediatamente e o escuro invadiu o hospital como uma inundação, gritos desesperadores dos amigos de Alice tomaram conta do local enquanto os olhos e sorrisos invadiam a sala como um enxame de abelha, foi então que uma voz se sobressaiu de todas as outras e sussurrou no ouvido de Alice:

-Não fique com medo Alice...

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