Dia de Sol

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Antes mesmo do amanhecer, o garoto se levantou da cama com rapidez, dobrou sua coberta e colocou embaixo do seu travesseiro e jogou o lençol por cima da cama, em seguida, ele abriu a janela, sentindo o vento levemente frio de início de primavera e saiu com rapidez de seu pequeno quarto, passando pela sala e parando na cozinha.

A primeira coisa a se fazer era o café da manhã, assim, ele pegou o pote de café e uma colher de sopa, abriu a tampa da cafeteira e colocou algumas colheres do pó no coador, depois, pegou um caneco de alumínio de água e o encheu com água corrente da torneira até certa altura, despejando então o líquido no recipiente e ligando a cafeteira. O pão francês que ele havia comprado na tarde anterior estava ainda em cima do balcão, era o que sua mãe e ele mais gostavam de comer pela manhã, assim, ele pegou dois pratos e colocou ao lado da sacola de pão, pegou a faca na gaveta do armário e a margarina na geladeira, cortou ambos os pães em duas fatias e passou o condimento em cada uma delas e sem demora colocou-as, duas de cada vez, dentro da sanduicheira ligando-a na tomada ao lado da cafeteira.

O delicioso aroma de café da manhã invadia a casa e embora ele esperasse com certa impaciência, alguns minutos depois tudo já estava pronto, assim, ele pegou a jarra da cafeteira e despejou o café até a metade da caneca favorita de sua mãe, preenchendo o restante com leite. Com certo cuidado, ele foi rapidamente até o quarto dela, que ficava ao lado do dele, abriu a porta com certo cuidado e colocou o prato com o pão na chapa e a caneca na mesa de cabeceira, ele sabia que ela estava acordada, ela sempre estava acordada por esse horário mas só se levantava de fato mais tarde. O garoto sentou com cuidado na ponta da cama de casal e perguntou, baixinho:

—Bom dia mãe! Eu fiz o de sempre para a senhora, tudo bem? Está aqui em cima da mesa. — Ele fez uma pequena pausa. —Hoje é um dia de Sol, mãe?

Há cerca de dois anos atrás, quando seu pai havia os abandonado, o menino e sua mãe inventaram uma certa regra: nos dias de Sol, ele iria para a escola como de costume e a tarde iriam juntos para o shopping, cinema ou algo do tipo, ou, dependendo do dia, passariam a tarde fazendo uma atividade juntos, já nos dias de chuva, eles passariam o dia todo juntos, assistindo um filme ou uma série em casa. Ela se virou para o pequeno e abriu um sorriso no rosto.

—É sim meu amor, muito obrigado pelo café da manhã viu, eu não sei o que faria sem você, meu pequeno Vi. — Ela se sentou na cama ao lado dele. — Agora me de um abraço e se prepare para ir para a escola, ok?

—Tudo bem! —Ele respondeu com um largo sorriso no rosto.

Ela abraçou Vitor com ternura, durante alguns segundos a mais do que o habitual, beijou o topo da sua cabeça e o soltou logo em seguida para que pudesse ir pra escola. Ele se levantou e seguiu para a cozinha, mandando um beijo antes de sair pela porta. Vitor estava atrasado para a escola, então, com pressa, comeu seu pão e tomou um copo de leite, deixando a louça suja na pia para lavar assim que chegasse e tendo certeza que os eletrodomésticos que tinha usado estavam desligados. Ele voltou ao quarto, colocou seu uniforme e seu tênis favorito, correu ao banheiro e escovou seus dentes com pressa, colocou gel nos seus cabelos e os penteou em um topete, por fim, colocou desodorante, pegou sua mochila e saiu disparado da casa, pegando sua chave e trancando o portão de fora.

Ele havia chegado no último instante possível, o motorista do ônibus sempre esperava alguns segundos a mais por ele pois sabia que o menino comumente estava atrasado e entendia bem os motivos dele, Vitor o agradeceu e o desejou um bom dia com um enorme sorriso no rosto e foi se sentar com seus colegas.

A rotina do menino na escola era basicamente a mesma todas as vezes que ele ia: ele se desculpava com os professores por ter faltado e entregava todas as atividades que eles haviam feito em classe e de lição de casa que ele recebia da sua amiga, Maria Clara, que, quando necessário, passava na casa dele para atualizá-lo do que havia acontecido, ela era uma garota amável e Vitor amava tê-la por perto. Para compensar pelo tempo perdido e também porque ele era um garoto curioso, o garoto fazia milhares de perguntas em todas as aulas, se esforçava para acompanhar os colegas  e fazia o possível para resolver os exercícios passados. Todos os professores o conheciam e sabiam o porquê que ele faltava, então, também engajavam com ele e alguns até se ofereciam para dar aulas particulares para ele, coisa que ele negava gentilmente todas as vezes pois sua mãe não gostava muito de visitas.

Naquele dia, em específico, sua última aula era a de educação física e ele estava jogando vôlei com seus amigos e, mesmo com a aula já tendo acabado, eles insistiram para que o garoto ficasse mais um pouco com eles e, meio que contra sua vontade, ele ficou, afinal de contas, era um dia de Sol e não tinha muita pressa para voltar para casa. Aquelas meia hora extra que ficara foram extremamente divertidas, ele correu e suou como não o fazia há um bom tempo e sorriu e deu muitas risadas, estava tendo o momento da sua vida. Depois, como o ônibus da escola já havia partido, pegou uma carona com a mãe de Maria Clara e foi conversando com ambas durante todo o caminho, contando sobre o que eles haviam aprendido e os planos que tinham para o futuro: Maria Clara queria ser veterinária e Vitor queria ser ator.

Cerca de meia hora depois, eles chegaram, Vitor agradeceu e desceu do carro, dizendo um esperançoso "até amanhã" para elas e entrando portão adentro enquanto elas iam embora. Ele então abriu a porta de casa e gritou "Mãe, tô em casa", deixou sua mochila no canto da sala e partiu para a cozinha lavar a louça que havia deixado mais cedo. Assim que ele virou a porta, a imagem que viu nunca sairia de sua cabeça:

Jogada no chão da cozinha estava sua mãe, uma faca jogada centímetros ao lado de sua mão, seus olhos estavam fechados e seus pulsos cortados, sangue se espalhava por suas roupas e formavam poças no piso da cozinha, sua caneca estava quebrada no chão e um pouco de leite com café se misturava com o líquido vermelho. Cerca de vinte minutos antes, em uma tentativa de sair da cama, ela acidentalmente havia quebrado sua caneca favorita e milhares de pensamentos invadiram sua cabeça no mesmo instante, levando à uma crise.

Ela mentiu. Não era um dia de Sol.

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⏰ Última atualização: Jul 24, 2022 ⏰

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