Sempre fui a garota mais inteligente do colégio. Nunca soube o que é tirar uma nota menor que nove. Aprendi a ler sozinha aos quatro anos e meus melhores amigos sempre foram os livros. Eu poderia discorrer horas seguidas como isso foi uma coisa boa e ter um cérebro privilegiado abriu muitas portas durante a minha vida inteira, mas não tenho certeza de que seriam verdades. Desconfio muito, honestamente, que seria uma gigantesca mentira.
Lembro de uma passagem no quinto ano, quando fui receber uma prova de matemática. Eu era dois anos mais nova que a maioria dos meus colegas o que não me fazia alguém popular, obviamente... Mas meus pais e os diretores acharam que era uma boa ideia pelo fato de quando eu estava em uma classe com pessoas da mesma idade, eu perturbava por terminar todas as tarefas antes e ficar pedindo coisas mais desafiadoras.
Bem, lá estava eu com nove anos e meus colegas com onze e aconteceu uma das coisas que mais tenho marcada na memória da minha infância.
- Vamos entregar os exames por ordem das notas que vocês tiraram. As mais baixas primeiro! Assim, a nota mais alta receberá um presente, esse bolinho de morango! - a professora Dulce tinha dessas manias de presentear os melhores alunos em todas as turmas.
Qualquer pessoa que entendesse um pouco de didática saberia que aquela ideia era cruel e não poderia ser levada adiante. Só que pelo andar da carruagem, minha professora havia se formado em matemática sem passar pelas disciplinas de saber dar aula.
Pior que nas outras classes a brincadeira dela era um sucesso. Os alunos disputavam ferrenhamente o prêmio oferecido, lutavam pelo primeiro lugar com afinco, se dedicavam de verdade. Mas, na minha, o pessoal já fechava a cara pois sabia que não tinha concorrência. O bolinho era sempre meu. Não tinha a menor possibilidade de alguém ter a mínima chance na disputa. Só que ela não poderia fazer a brincadeira nas outras turmas e deixar a minha de fora, só por minha causa.
E isso era uma tortura!
- Vou começar a entregar as provas! Michel, você é o primeiro – esse menino era o cão por dentro dos matos. Mas o que ele tinha de levado, tinha de lindo. Parecia um anjinho, com seus olhos azuis e o cabelo cheio de cachos. Enfim, a encarnação do Demônio. E todo mundo adorava ele, era popular, querido e praticava um bullying comigo que fazia ele ser ainda mais amado por todos.
- Eu sinto muito orgulho, eu sou um gênio! – a sala disparou em risadas quando ele levantou de sua carteira exibindo o uniforme usado de uma forma estilosa que só ficava bem nele. - Parabenizem o meu 0,8! - e começou a curvar o corpo fazendo reverências enquanto os colegas explodiram em palmas e risadas.
- Não vejo graça, Michel! Você precisa estudar mais – disparou a professora no exato momento em que ele passava ao meu lado para voltar para o seu lugar mas sem conseguir disfarçar o risinho. O menino era realmente encantador.
- Estudar para virar isso? - e olhou para mim com desprezo. - Prefiro morrer antes – e mais risadas pipocaram para todo canto.
Senti meu rosto queimar de vergonha. Eu já sabia que seria a última a ser chamada, sempre era. E isso não me tornava popular. Eu não tinha uma única amiga naquela sala e passava os recreios sozinha, comendo as delícias enviadas na minha lancheira e lendo livros nem um pouco apropriados para a minha idade.
- Bruno, venha buscar a sua prova – e o menino foi buscar seu 1,9.
Assim seguiu, toda turma sendo chamada, as notas subindo, e eu querendo desaparecer, sabendo que eu seria a última, com certeza. Deveria me orgulhar? Sim. Mas não era bem isso que acontecia.
E dito e feito, depois de todos serem chamados, disparou a professora:
- E a nota mais alta é da Bárbara! Ela não só acertou todas as questões tirando um 10 ainda explicou conta por conta ao lado! Essa menina é incrível!
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Gorda, solteira, 30 anos, procura - DEGUSTAÇÃO
ChickLitQue tal viver um romance? Neste novo livro, Janaina Rico traz uma reflexão sobre nosso corpo e como devemos amá-lo. Bárbara sempre foi a mais inteligente do colégio. Aprendeu a ler sozinha aos quatro anos, e seus melhores amigos eram os livros - os...