Gorda, solteira, 30 anos, procura - DEGUSTAÇÃO

Capítulo 1 - Me oferecendo no mercado

Se a tecnologia existe, vou usá-la a meu favor. Pense comigo, uma pessoa muito inteligente e que estudou horrores desenvolveu um aplicativo perfeito para que as pessoas possam se conhecer. Se você analisar direitinho, é genial! Acho até um tanto primitivo ter que sair de casa para conhecer pessoas novas. Um programa fará a seleção por mim e no final das contas, tudo dará certo. Uma pessoa burra jamais teria uma ideia dessas! Então, vou utilizar a ferramenta perfeita para a execução do meu plano.

Eu sei que tem muita gente que prefere os métodos "primitivos" do tipo sair de casa quase como os fenícios faziam. Com certeza não faço parte do grupo. Usemos a tecnologia a nosso favor, simples assim.

Só que a mente e o corpo nem sempre andam juntas. O meu racional tentava me dizer que era apenas uma coisa simples, nada demais, um cadastro em uma rede social qualquer, só que a dor no meu estômago e o tremor nas pernas indicavam que nem tudo estava acontecendo conforme o planejado.

- Vamos, Bárbara! É apenas um aplicativo. É apenas o Tinder! Apenas isso, apenas isso, apenas isso! – respirei fundo tentando lembrar dos exercícios para controlar crises de pânico que minha terapeuta havia passado. - Milhares de pessoas em todo o mundo se cadastram todos os dias, não precisa transformar algo tão simples em um evento – falei para mim mesma, me olhando no espelho do banheiro depois de lavar o rosto para tentar criar coragem.

Fui para a sala e sentei confortavelmente na poltrona caríssima e de grife. Claro, me servi antes de uma boa taça de vinho e fiz um pratinho com queijos franceses para poder dar uma analisada no que eu enfrentaria pela frente. Estava animada e de bom humor, o que era um sinal excelente, certo? Mas o ambiente ainda não estava como eu queria.

Liguei o som, meti uma Maria Gadu para entrar no clima, estalei os ossos do pescoço e me alonguei. Cruzei as pernas com uma almofada no colo, soltei todo ar dos pulmões e me senti pronta.

Peguei o celular e baixei o aplicativo. Por alguma razão desconhecida minha boca estava seca e nem os longos goles que dava no tinto conseguiam diminuir o mal estar. A última vez que tinha me sentido daquela forma, foi quando me coloquei em frente a uma equação que ninguém no departamento conseguia resolver. E só eu consegui.

- Muito bem, muito bem... Aplicativo instalado – suspirei com profundidade pela milésima vez e dei prosseguimento, com a voz da terapeuta ressoando na minha cabeça, me mandando ficar tranquila e dizendo para eu não cair nas armadilhas da mente.

Em segundos a logo do Tinder brilhou na minha frente e me dei conta de que não sabia quais os próximos passos a dar. A primeira coisa era fazer o meu perfil. Eu sabia que ia enfrentar desafios, que a coisa não seria fácil assim. A palpitação no peito era crescente e as palmas das minhas mãos estavam suadas. Dei uma boa olhada na sala caçando coisas que eu tivesse que fazer, para tentar procrastinar um pouco a decisão.

Não queria criar meu perfil. Não tinha a menor ideia do que falar sobre mim mesma.

- Bárbara, não se sabote – dei um tapa na minha perna e doeu. - Sua decisão já está tomada e você está carente!

Tinha que escolher um nome, se decidia exibir onde tinha estudado... Eram muitas coisas e os minutos foram passando enquanto eu encarava a tela, sem tomar nenhuma decisão. Apenas aquela agonia passeando pelo meu estômago e os queijos não conseguiam aplacar.

Comecei a divagar sobre o que estava fazendo. Talvez fosse melhor desistir. Eu poderia me frustrar e ficar triste não era uma opção.

Coloquei o telefone de lado e fiquei olhando para o teto com a mente vagando e sem fazer esforço me desconectei completamente do presente. Eu simplesmente não estava ali. E a sensação era ótima. Só que fui arrancada de repente dos meus pensamentos, ou da falta deles, com o toque do interfone.