Eu esperava que a Camila ficasse frenética e eufórica, mas, na verdade, ela ficou bastante controlada e querendo que eu não criasse expectativas. Surpreendente, porém, compreensível. A coisa evoluiu muito rápido. Foram apenas algumas horas entre a criação do perfil e a marcação do primeiro encontro.
Claro que o fato de nós duas estarmos completamente embriagadas por causa do tanto de vinho que a gente tinha entornado era algo a ser levado em conta. Minha mãe já dizia que não devemos tomar nenhuma decisão quando estamos com a cara cheia de cachaça, mas não lembrei disso.
Minha amiga pegou um Uber e foi para casa, me deixando sozinha com meus pensamentos. Eu precisava tomar banho para conseguir dormir direito. Meio tropicando e sem ter uma gota de coordenação motora consegui, pelo menos me lavar, escovar os dentes e passar um hidratante no rosto.
Enquanto colocava meu pijama de flanela me veio à cabeça o pensamento de que eu nunca havia passado a noite com um homem e isso me chocou. Uma mulher com três décadas de vida deveria ter mais experiências. Só que eu não tinha e isso me deixava triste. Não costumava ter vergonha pelo fato de ser virgem, só que por algum motivo, ali, naquele ponto de embriaguez, ser uma total inexperiente me deixou constrangida. Eu teria que contar para alguém, um dia. Mas não me sentia pronta para tal passo.
Deitada na cama, com a cabeça girando e ideias muito confusas percorrendo o meu cérebro, acabei pegando em um sono pesado e profundo, que só o vinho – em doses cavalares - é capaz de oferecer.
Acordei com uma ressaca infernal, mas tinha que levantar da cama, por mais que a minha vontade fosse ficar ali para sempre. O semestre estava começando e tinha uma turma de Física Matemática para enfrentar às 10h15 da manhã. Tudo bem que primeiro dia de aula é tranquilo, mas, ainda assim, minha cabeça pesava e sentia uma sede monstruosa. E minha fama na Universidade de ser terrível com a chamada tinha que ser mantida, jamais daria esse mole de colocar a minha reputação a perder logo no começo de um período.
Passei um café bem forte e ao checar meu telefone já tinha uma mensagem do Kelvis me desejando bom dia e dizendo que estava ansioso para me conhecer. Sorri e fiquei feliz. Não sabia o que responder. Era muito precoce para parecer tão animada. Também não poderia ser fria o suficiente para que ele achasse que eu não estava criando expectativas para o nosso encontro de logo mais. A inexperiência deixava tudo ainda mais drástico.
A sensação de ressaca se misturou a umas borboletas dançantes no estômago e não consegui comer nada. Ainda achava muito estranho que um garoto tão jovem e bonito se interessasse por mim só que eu estava disposta a lutar contra a minha autossabotagem.
- Você pode ser amada, Bárbara! – falei me olhando no espelho enquanto escovava os dentes para tirar o gosto de cabo de guarda-chuva. - Você é uma mulher bonita, inteligente, poderosa e dona de si! Nada de se menosprezar! - cuspi a pasta de dentes e me olhei, orgulhosa de mim mesma.
Depois de muito pensar, decidi o que responder: “bom dia para você também, Kelvis. Espero que goste de risoto, pois lá onde vamos tem um delicioso”. Sua resposta foi um emoji daquele de linguinha para fora, o que considerei um excelente sinal.
Enquanto eu me vestia, Camila mandou um áudio dizendo que já estava na Unb e que queria encontrar comigo no final da tarde para me arrumar para o encontro. Ela, de forma muito competente, já havia marcado salão para que eu fizesse escova no cabelo, as unhas e depilação, mais especificamente, contorno e pernas. Eu nem tinha pensado nessas coisas.
Havia um erro nessa equação: ela queria que me depilasse lá embaixo! Claro que seu objetivo era muito claro, mas eu preferia me resguardar. Eu não ia assumir com todas as letras para ela que eu era virgem – mesmo tendo a certeza de que ela tinha uma desconfiança muito forte -, e eu não ia perder a minha virgindade assim, de cara, no primeiro encontro. Como que por um estalo os pensamentos embriagados da noite anterior voltaram com força, só que sóbrios e muito mais intensos e organizados.
Então deixando as coisas bem cabeludas na linha abaixo da cintura, eu sentiria vergonha e conseguiria me controlar em caso de aquecimento da temperatura. Apenas dei uma desculpa esfarrapada para a minha amiga que tinha me depilado na semana anterior e queria apenas manicure e cabeleireira. Percebi que ela não ficou muito satisfeita mas acredito que devesse estar com a mesma ressaca que eu, então isso a impedia de argumentar muito. A sorte estava ao meu lado.
Além do que me sentia completamente aterrorizada. O sujeito era bonito e inteligente, aparentemente. Professor de educação física, fã do Almodóvar! Era uma pressão grande demais e eu tinha que ter os pés no chão. O que me garantia que eu realmente teria altas temperaturas com ele? Não queria criar expectativas que não pudessem ser correspondidas. É mais fácil criar camelos dentro de um apartamento de um quarto do que criar expectativas.
Não me sentia pronta ainda para que ele me visse sem roupa. Nem ele, nem ninguém. Eu precisava de um tempo para me acostumar. Então o ato deliberado de não me depilar era como se eu colocasse um freio nos meus impulsos. Como se fosse alguma coisa que pudesse me segurar, para que eu não metesse a testa na parede tão rapidamente.
Me arrumei da forma mais rápida e simples possível, apenas uma calça jeans, sapatilha e camisa preta bem soltinha e discreta. Arrumei o cabelo em um rabo de cavalo não muito apertado, fiz uma maquiagem básica só para disfarçar a cara de destruída pelo álcool e fui para a Unb. No carro, ouvi um audiobook que me dizia o quanto poderia ser feliz e bonita, e que a minha realização emocional dependia apenas de mim.
Cheguei na sala com um atraso de uns 5 minutos e a turma de dezoito alunos já estava toda lá. Mais um grupo exclusivo de homens, quase todos na faixa dos 20 anos. Tinham dois nerds de 16 e 17, um cara de uns 30 e um mais velho na faixa dos 50. Nada de novo no front, uma turma padrão.
- Muito bem, desculpem o atraso. Eu sou a Doutora Bárbara, vou ministrar Física Matemática para vocês. Essa disciplina tem o maior índice de reprovação em todo o departamento e essa culpa não é minha. A matéria é difícil mesmo e não faço a menor questão de aprovar quem não está querendo estudar. Já quem quiser se dedicar, ajudo sempre – as caras de pânico todas grudadas em mim me proporcionaram uma enorme sensação de prazer. - Sou PhD em Física Quântica e estou dando aulas na graduação porque gosto de gente jovem e com disposição. Meu currículo está disponível no banco de dados do CNPQ então não vou perder tempo aqui falando, quem quiser é só ir ver. E a ementa da disciplina já está disponível no drive. Acredito que é isso e já vamos começar com o conteúdo hoje – um garoto cheio de espinhas na cara deu um gemido genuinamente desesperado. - Não tenho monitor esse semestre então espero a colaboração de vocês.
Eu adorava os olhares de espanto que eles faziam para mim depois desse discurso ensaiado de todo começo de semestre. Claro que uma meia dúzia já tinha feito a disciplina comigo e minha fama corria pelos corredores da Universidade, mas só tinha mais um professor que dava a mesma matéria e ele era ainda pior do que eu. Então, que me aguentassem sem reclamar muito ou não se formariam.
Sofri muito para conseguir o meu diploma e certamente eu não facilitaria para ninguém. A régua tem que ser alta no Departamento de Física da Unb. Apenas os melhores se formam ali. E no que dependesse de mim, assim continuaria.
Ao começar a dar aula toda a ressaca sumiu e a disposição chegou com força, como de costume. Era sempre assim que eu me sentia. Na empresa eu ganhava muito mais dinheiro do que lecionando, mas a sensação de admiração que o magistério me proporcionava fazia todo sacrifício valer a pena. Ao final da aula, os alunos saíram com uns semblantes de desespero ao perceberem que eu não facilitaria em nada o semestre deles e que a matéria era simplesmente infernal!
Enquanto arrumavam seus materiais e saiam, o aluno na faixa dos 30 anos se aproximou da minha mesa. Sempre tinha um que vinha puxar papo e o retorno dependia do meu humor. Naquele dia, a ressaca fazia com que não fosse dos melhores.
- Bom dia, Professora Bárbara!
- Bom dia! – nem olhei para ele, continuei fechando o material para manter a minha cara de brava.
- Eu ia te chamar de senhora, mas vou chamar de você pois acho que sou mais velho.
- Não acho ruim que os alunos me chamem de senhora – coloquei a bolsa no braço e fui andando com a cara fechada até a porta com ele me seguindo.
- Tudo bem então. A “senhora” - ele deu ênfase à palavra - colocou no drive o seu e-mail e whatsapp?
- Não dou meu telefone para os alunos mas, sim, o meu e-mail está lá – e pela primeira vez olhei realmente para ele, que despertou a minha curiosidade. Era um cara interessante, com o cabelo castanho cacheado, bem alto e usava um óculos quadrado que escondia olhos esverdeados.
- Ah, ok.
- Por qual motivo eu deveria disponibilizar meu whatsapp?
- Nenhum, professora. A senhora está certa. É que eu não tenho dedicação integral ao curso, já sou coroa e preciso trabalhar, ao contrário da molecada – ele sorriu, mas não retribuí. Ao perceber que sua fala não tinha sido empolgante, continuou. - Então sempre peço um pouco de compreensão dos professores e fiquei muito animado quando consegui essa vaga na sua turma. Sou um grande fã do seu trabalho e sei que você, opa, quer dizer, a senhora, é uma professora bastante exigente, espero não decepcionar.
Eu já estava na porta do anfiteatro quando parei de repente e olhei com toda a minha intensidade para ele, com o objetivo claro de intimidá-lo.
- Qual o seu nome mesmo?
- George – e me esticou a mão. Apertei com força.
- Muito bem, George. Como eu disse, a matéria é realmente muito difícil. Mas eu estou aqui para ajudar e não para atrapalhar. Meu interesse é que você aprenda. Só que não conte com a possibilidade de eu te dar pontos extras ou prazo estendido porque você resolveu fazer física já tendo uma vida adulta. Esse problema não é meu, é seu. Caso você tenha competência e capacidade, será aprovado na minha matéria. Caso seja incompetente, tenha dificuldades de compreensão ou seu tempo não seja o suficiente para a Unb, não será aprovado. E não é tendo o meu telefone que sua vida ficará mais fácil.
- Claro, professora! - eu fiquei esperando que ele desse uma desmoronada com o meu discurso, mas continuava com um semblante feliz e amigável. - Nem pensei nisso. De forma alguma! Tenho certeza de que serei aprovado na sua disciplina apenas pelo meu mérito.
- Joia! – coloquei o óculos de Sol na cara e dei um leve sorriso. - Mais alguma coisa que eu possa te ajudar, George? Eu preciso ir embora, estou no meu horário.
- Ah, certo! Obrigado, professora Bárbara. A senhora foi muito gentil – e sorriu com um canto de boca meio torto que achei até bonitinho. - Olha, eu posso lhe ajudar caso precise…
- Ajudar em?
- Você disse que está sem monitor. Ah, me desculpe, não vou conseguir te chamar de senhora o tempo todo, é muito jovem para isso.
- Fica meio difícil entender como você teria tempo para me ajudar. Sou exigente. E você veio me procurar já justificando que não tem tempo integral para a Unb. Então aproveite seu tempo livre para ajudar a si mesmo e estude. Até a próxima aula, George.
- Até, professora Bárbara!
Fiquei rindo da ousadia daquele aluno, mas o achei interessante. Era sempre legal ver pessoas que se dedicavam ao curso e George parecia ser um desses. E seria mentiroso da minha parte não dizer que o achei bonito. Não que algum dia na vida eu pensasse em me envolver com um aluno.
O resto do dia correu normalmente, na empresa muito estresse, mas nada que eu já não estivesse acostumada. E no final da tarde, encontrei-me com minha melhor amiga no salão. Após o trabalho de me deixar com cabelo deslumbrante e unhas perfeitas, fomos para minha casa, onde passei por uma nova sessão de maquiagem com a Camila, sem muitas rabugices dessa vez.
Ela me ajudou a escolher a roupa, os acessórios e sapatos. Deixei que ela fosse um pouco mais ousada, saindo das roupas pretas e fechadas e colocando um decote profundo em “v” mostrando parte do meu colo. Eu já tinha essa blusa no meu armário há séculos, mas finalmente achei a oportunidade ideal para usá-la. Eu estava com vontade de impressionar o Kelvis!
Na maquiagem dei livre arbítrio para Camila! As sombras que ela usou nos meus olhos eram coloridas e com um pouco de brilho. E até mesmo aceitei o batom chique que deixou meus lábios parecendo muito glamourosos.
- Babi!!!! Babi!!! Você está muito linda!!! - seus olhos até marejaram, o que, francamente, achei um pouco de exagero.
- Olha, Camis. Eu devo confessar que estou realmente me sentindo muito bonita. Você fez um bom trabalho!
- Ah, amiga! Eu só queria que você soubesse o quanto é linda!
- Chega! Não posso te dar a mão que você quer logo o braço – levantei da cadeira que tínhamos colocado na sala e fui calçar os sapatos com um saltinho quadrado que me deixava com as pernas bonitas.
- Vamos repassar então!
- Você vai comigo até o shopping. Na frente do bar, tem um restaurante que você vai ficar lá.
- Sim! Estou animada! Prometo não ficar encarando vocês! - eu sabia que aquela promessa era mentirosa. - Mas vai ser bem difícil controlar a curiosidade!
- E eu te passo mensagem quando estiver tudo certo para você ir embora.
- Fechou, Babi! Mas vou dar uma espiadinha antes para saber como é a cara dele! Ai, que emoção! - ela deu um giro empolgado. - Vamos nessa que já está na hora. Vai com tudo, garota! Hoje é seu dia e ninguém te segura. Esse Kelvis já está no papo!
Era em um shopping chique, com restaurantes, cafés e bares da moda. Achei que o melhor era algo assim, em lugar público, cheio de gente, para não correr nenhum perigo. O Uber chegou rapidinho e caçamos o nosso rumo.
Tentei ficar calma no trajeto, mas meus pés estavam suando feito bico de chaleira. “É apenas um encontro, é apenas um encontro”, fiquei repetindo no meu cérebro esse mantra. Quando desci do carro quase me estabaquei no chão porque meu pé deslizou no sapato graças ao suor excessivo e a sorte foi que me apoiei na Camila antes de meter a cara no chão.
- Foco, Bárbara! Pelo amor de Deus!
- Tô focada! Eu sou uma pós-doutora, não é possível que não consiga enfrentar um encontro com o mínimo de equilíbrio.
Ela foi comigo até a porta do bar, deu uma última arrumada no meu cabelo, e apontou que estaria logo em frente e que qualquer coisa eu deveria ligar imediatamente para o celular dela, afinal de contas o carinha podia ser um maníaco, sequestrador, estuprador ou qualquer coisa assim.
- Sinceramente, Camila! Precisava? - o tambor que se deu dentro do meu peito não foi dos mais agradáveis.
- E lembre-se, pervertidos sexuais costumam ser muito simpáticos! Então nada de abrir a guarda tão facilmente.
Pior que até então eu não tinha pensado nisso e aí senti medo. Que maluquice era aquela que eu estava fazendo? Deveria sair dali imediatamente! O cara, com certeza, era um psicopata.
Uma pequena crise de pânico começou a se instalar ao ver Camila se afastando. O ar estava entrando com dificuldade nos pulmões e senti que meu coração explodiria a qualquer momento.
Resolvi ir embora. Não poderia ficar ali, me expondo assim ao perigo. Cheguei aos 30 anos de forma segura e sem riscos e isso tinha sido bom. Nunca fui parar nas páginas policiais de nenhum jornal e não tinha o menor interesse de que isso de repente acontecesse. Mas, pelo visto, meu juízo tinha ido embora
Valia a pena correr todo esse risco apenas para dar uma bimbadinha?
Ninguém, até hoje, morreu por ser virgem, mas muitas mulheres já morreram por causa de encontros do Tinder com homens completamente desconhecidos. E, definitivamente, eu não queria morrer. Ainda tinha muitas viagens para fazer!
Só que o meu coração queria ficar. Eu estava realmente com vontade de conhecer o Kelvis. Por que não me dar uma chance de ser feliz? Era um lugar público, a Camila não só sabia exatamente onde eu estava como se encontrava ali na frente, me vigiando o tempo todo. Sem contar com o fato de que ninguém conseguiria me obrigar a sair dali contra a minha vontade.
Então resolvi seguir em frente! Nada no mundo me faria cancelar aquele encontro. Era chegada a hora da verdade!
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Gorda, solteira, 30 anos, procura - DEGUSTAÇÃO
Literatura FemininaQue tal viver um romance? Neste novo livro, Janaina Rico traz uma reflexão sobre nosso corpo e como devemos amá-lo. Bárbara sempre foi a mais inteligente do colégio. Aprendeu a ler sozinha aos quatro anos, e seus melhores amigos eram os livros - os...