Capítulo 3

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Rosamaria encostou a testa sobre a porta por alguns segundos, estagnada e ainda completamente em choque. A mulher que havia se apresentado como Caroline já havia se retirado depois de receber a promessa de um telefonema, mas Rosa não havia tido condições de se mexer após fechar o acesso que dava para o corredor do prédio, totalmente desnorteada com tudo o que havia sido dito.

Filha. Ela tinha uma filha.

Duas, na verdade. Duas crianças que haviam, ainda que indiretamente, vindo dela. Algo que ela em nenhum momento havia planejado ter...

Sua cabeça parecia girar com as novas informações e ela se moveu de forma quase robótica para deixar seu corpo cair sobre o sofá, esfregando as mãos contra o rosto tentando fazer sentido sobre tudo o que a mulher desconhecida havia compartilhado com ela. O rosto de Caroline flutuou até a superfície de sua mente, e ela pode reviver com clareza a urgência e o desespero retorcendo seus traços bonitos, o jeito que ela havia insistido e implorado por uma pessoa e um nome que nunca havia sido de fato ela. Mas que havia lhe pertencido, de certa forma. Em contraposto ao rosto angustiado em sua mente, Rosamaria também conseguia recordar a suavidade da preocupação e do amor nítido, forte e cru, que parecia iluminar sua face ao falar da filha mais nova. Sua filha.

Rosa não sabia o que pensar. Quando havia feito uma doação ao banco de esperma quase 10 anos atrás como forma de auxiliar um casal de amigas a seguir o sonho de constituir sua própria família, jamais pensou que uma situação assim pudesse chegar até ela. Que pudesse ser contatada de repente por alguém com algo tão enorme em mãos...com duas crianças em mãos, nada menos que isso. Na época, suas amigas haviam voltado atrás na decisão de serem mães daquela maneira, e quando o laboratório deu a opção de escolha entre um armazenamento pago, destruição do material genético ou a adesão do material ao banco geral de amostras, Rosamaria não havia pensado muito antes de decidir pela segunda opção e se livrar das amostras.

Rosamaria até tinha o interesse de manter o material para caso, futuramente, ela quisesse o utilizar para ter seus próprios filhos biológicos, mas o que ela não tinha era a condição financeira de manter a armazenagem. Apesar de pensar que um dia, quem sabe, ela fosse querer trazer alguém ao mundo que contivesse seus traços genéticos, uma Rosamaria recém-saída da faculdade e recém começando o processo de transição não tinha condições de manter seu esperma armazenado. Mesmo assim, a decisão de se livrar do material não havia sido tão dolorosa assim. Entretida com a transição e com a cirurgia que permitiu que seu corpo fosse um lugar que ela pudesse habitar em paz, Rosamaria acabou se esquecendo rápido da breve dor da decisão delicada. Ela poderia ter concordado em deixar o material disponível para o uso de outra pessoa, mas a ideia de não saber quem iria utilizar seus traços genéticos para 'procriar' era um pouco absurda demais.

Ela nem sequer pensava mais no ocorrido, depois de tanto tempo passado, e aos 20 anos não tinha compreendido ou se importado muito com as implicações de fazer a doação e de ter depois decidido se livrar do material. Não havia, ao ser ver, qualquer possibilidade dela se tornar mãe biológica de alguém até aquele momento.

E mesmo assim, depois de todo esse tempo, aqui estava ela. Com duas crianças cuja existência ela nem sequer cogitava até minutos atrás.

Como, exatamente, aquilo pode ter acontecido, Rosamaria ainda não sabia. Até onde ela tinha conhecimento, sua decisão de destruir o material genético havia sido não apenas acatada como também havia sido executada. Nenhuma cobrança havia sido feita em seu nome ao longo dos anos, e a clínica nunca mais havia entrado em contato com ela. Isso sem contar que ela havia assinado um termo dando permissão para que se dispusessem do material coletado, e nunca havia passado pela sua cabeça que aquilo tivesse tomado qualquer rumo diferente.

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