1.3 - Para tudo, há uma ultima vez

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Eu tinha uma passagem só de ida ao lugar

Onde todos os demônios vão Onde o vento não muda
E nada na terra pode crescer
Sem esperança, apenas mentiras
E você é ensinado a chorar em seu travesseiro
Mas eu sobrevivi

Alive – Sia

Elizabeth Voughn – 12 Anos – Alguns dias depois, ainda no mesmo ano.

Minha vista estava completamente embaçada graças ao babaca que decidiu que seria uma boa quebrar meus óculos, para fazer uma gracinha para os seus amigos igualmente idiotas.

Odiava aquela escola. Todos ali eram imbecis, ou melhor dizendo, menos meu primo. Aquele era um amor.

Matteo não sofria como eu, mas também, bonito, popular, inteligente e primordialmente... magro. Ele era tudo o que todo mundo queria ser. Já eu não podia dizer o mesmo.

Meus quatro graus de miopia, naquele momento, pareciam ser vinte graus — talvez, pelo meu nervosismo ou pelas lágrimas, que pioravam tudo, fazendo com que eu tivesse dificuldade para achar até meu armário.

Que dia horrível!

Com um pouco de paciência, achei o armário 2107 e, finalmente, o abri para pegar meus óculos reservas. Olhei para o espelho que ficava dentro do meu armário e quis chorar ainda mais quando vi que tinha aparecido mais uma espinha na minha testa.

Eu não iria parar de ficar feia nunca?

Minha mãe iria me matar quando visse que outra espinha tinha aparecido em meu rosto, além da minha calça jeans que estava apertada... de novo.

Peguei meu caderno e meu livro de matemática e os coloquei na minha bolsa com uma certa violência. Não sabia se estava irritada ou magoada, mas, as lágrimas, essas não paravam de cair.

Precisava encontrar Matteo e seu novo amigo, Noah, na porta da escola, mesmo querendo ir embora sozinha, correndo para casa.

Noah Thompson.

Só o nome dele já me fazia querer bater a cabeça na porta do meu armário.

Ele não deveria ser tão bonito.

O que era aquele sorriso?

Além do mais, eu tinha que sentir coisas esquisitas perto dele?

Noah Thompson? Sério? O badboy da escola?

E Matteo precisava se tornar o melhor amigo do único ser humano desse lugar que me deixa parecendo uma idiota quando chega perto de mim?

Na primeira vez em que eu o vi, literalmente cai em cima dele. E, depois daquele dia, tudo foi ladeira abaixo rapidamente. Parecia que eu teria um AVC toda vez que ele fica perto de mim. Chegava a tremer. Era vergonha demais para apenas uma pessoa.

Fechei minha mochila e fui caminhando — sempre olhando para os meus pés —, em direção à porta da escola. Eu mal tinha entrado na adolescência e já odiava cada segundo dela.

Os meninos estavam no ensino médio, enquanto eu estava no penúltimo ano do ensino fundamental. Meus doze anos me davam liberdade para ser dramática, pelo menos, era isso que minha prima, Isabella, falava toda vez que alguém me pegava chorando pelos cantos.

O menino alto e mais popular da escola, Turner, me olhou, sorrindo, com os amigos. Ele era do time de futebol americano do ensino fundamental e era quem sempre quebrava meus óculos ou me trancava no banheiro. Não sabia o que ele tinha comigo, mas toda vez que eu conversava com a minha mãe sobre o assunto, ela dizia que secretamente ele era apaixonado por mim, e que se eu conseguisse emagrecer talvez ele finalmente desse uma chance aos seus sentimentos.

Digamos que, assim como Turner, minha mãe também não gostava de pessoas que tinham minha aparência e peso.

— Ei, leitão, veja se amanhã não cruza meu caminho! — Turner gritou, do lado oposto de onde eu estava.

As pessoas riram como se eu fosse uma grande piada.

Dor.

Esse tipo de coisa doía.

Meus olhos arderam, e eu não consegui segurar o choro.

Não respondi nada.

Não rebati.

Aprendi com meus pais que comentários assim eram melhores quando escutados em silêncio. Doía menos.

Escorei minha cabeça na árvore, coloquei meus fones de ouvido e tentei me desconectar um pouco daquela realidade. Era cruel o que eles faziam comigo.

Desde que Matteo foi para o ensino médio, os comentários sobre mim e sobre minha aparência deixaram de ser apenas cochichos. Antes, eu tinha a escola como um ponto de paz, mas, eventualmente, assim como minha casa, ela se tornou meu inferno particular.

— Liz! — Alguém berrou no meu ouvido, me assustando.

Chorei de novo.

O sorriso de Matteo morreu na hora.

— O que aconteceu com você, Lizzie? — Ele parecia preocupado, como sempre.

Meu primo me observou, como se tentasse encontrar algum machucado, mas não tinha nada ali. Era por dentro que eu sentia dor.

— Quebraram seus óculos, Elizabeth? — Noah perguntou, atrás de Matteo.

Seus olhos escuros me observavam, me causando aquela vergonha instantânea.

Como ele percebeu aquele detalhe?

O garoto era tão quieto que, em muitos momentos, passava despercebido pela multidão. Queria dizer, em certas situações, era como se ele não existisse, em outras, ele era tudo o que todo mundo conseguia olhar.

Noah Thompson migrava entre passar medo nos colegas de escola e ser completamente invisível.

Acreditava que, inclusive, esse último fato era o que o deixava tão assustador para tantos.

Para mim, ele era só... não sei.

Cativante.

Ele era cativante.

— Sim. — Funguei, limpando minhas lágrimas que escorriam pelas bochechas.

— Quem te magoou, Liz? — Matteo perguntou.

Ele sempre tentava me proteger ou ajudar. Sempre.

— Matteo, não começe! — Já basta tudo o que eles faziam, se Matteo entrasse no meio desse assunto, tudo ficaria ainda pior.

Meu primo era muito brigão e eu não queria ser a causa de mais alguma de suas suspensões. Já bastava ele ter batido no ex-namorado de Donatella na semana passada.

— Vamos para casa? — Me afastei da árvore e segui rumo à nossa casa, tentando mantê-los fora dos meus problemas. — Tenho uma tonelada de dever de matemática para fazer.

Matteo tirou a minha mochila das minhas costas e colocou nas suas.

— Teimosa. Eu resolveria esse assunto em dois segundos. — Ele resmungou.

E eu não duvidava daquilo, mas minha mãe sempre falava que, para aguentar a minha vida, eu tinha de ser forte e aprender a me defender sozinha. Além do mais, Tia Grace tinha sido sincera ao dizer que, se Matteo fosse suspenso mais uma vez por causa de outra briga, ela iria tirá-lo do futebol americano.

Assim como Matteo sempre me protegia, eu fazia o mesmo com ele. Éramos uma dupla desde crianças. Chegava a ser difícil um mundo onde ele não estivesse do meu lado.

Noah ficou calado, como sempre observando tudo e por um breve momento desejei ler seus pensamentos para descobrir o que ele tanto pensava.

Acho que era isso que tanto me cativava nele. Noah era um mistério absoluto. Era como se mal tivesse alguma emoção acumulada em seu peito.

No outro dia, ainda não conseguia ler os pensamentos de Noah, mas os compreendi quando, o próprio apareceu com as mãos completamente esfoladas e Turner com um olho roxo.

Ele nunca confessou para mim o que fez, eu nunca o agradeci. Mas aquele dia foi o último que sofri bullying na escola. 

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