Tem quase 10 anos desde a primeira vez,
Desde o primeiro silêncio.
Das primeiras palavras que de alguma forma
Se prenderam na minha garganta,
Impedindo que a verdade saísse em um grito.
É estranho, porque faz muito tempo,
Mas ainda sinto esse passado tão presente.
É como se um caco de vidro daqueles afiados
Rasgasse as minhas cordas vocais.
É como um terremoto se formando no meu peito
E uma nuvem cinza no meu pulmão
Que impede a minha respiração.
Eu te perdoou, pai.
Por ter me deixado na casa de um estranho,
Para alimentar seu vício.
Mas eu nunca vou esquecer
Daquele toque nojento,
Daquela respiração descompassada no meu ouvido,
Da palavra que ele usou, que transformou algo carinhoso
Em um monstro sonoro que assombra minha mente
Quando escuto.
Do que passava na Tv,
Da cor do sofá
E do cheiro de comida vinda da cozinha.
Eu fui silenciada pela a idade, eu era só uma criança...
Tem quase 10 anos desde a segunda vez,
Desde o meu segundo silêncio.
Das primeiras palavras que de alguma forma
Me foram negligenciadas,
Impedindo que a verdade saísse em um grito.
Eu te perdoou, professora.
Por ter dito que eu estava mentindo
E por acreditar nos garotos e não em mim.
Mas eu nunca vou esquecer
Da escuridão que se formou quando fecharam a porta,
Da cor das janelas da casinha de brinquedo,
Do cabelo do garoto que me tocou,
Do rosto aterrorizado da menina que estava comigo,
Da sensação de impotência e fraqueza
E muito menos do calor que fazia.
Eu fui silenciada pela idade, eu era só uma criança...
Tem quase 10 anos desde a terceira vez,
Desde o meu terceiro silêncio.
Das primeiras palavras que de alguma forma
Foram ignoradas,
Impedindo que a verdade saísse em um grito.
Eu te perdoou, mãe.
Eu te perdoou, vovó.
Mas eu nunca vou esquecer
Da rede desconfortável,
Dos pêlos que ele tinha na dobra dos dedos,
Do cheiro de álcool e churrasco,
Daquele toque gélido e doloroso
E do que ele disse:
“Não conta para ninguém, tá.”
Eu fui silenciada pela a idade, eu era só uma criança...
Hoje eu não sou mais uma criança,
Mas me silencio como se fosse.
- Lívia Danielly Brandão
