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Eu penso em me matar todos os dias.

Aqui, sentado no banco do passageiro ao lado do meu pai que dirige um Volkswagen Gol branco, provavelmente pareço um típico garoto comum de dezoito anos. Observo quase sem piscar pelas janelas. Analiso o novo condomínio para qual estamos nos mudando nesse meio de março cinzento. O lugar é bonito. Agradável. As ruas são limpas e arborizadas. As casas são praticamente cópias idênticas umas das outras. Estacionamos de frente para uma que ficava localizada no centro daquela grande linha reta. Havíamos chegado ao nosso novo "lar".

– É bonita. – Meu pai analisa.

Ele não estava sendo cem por cento honesto. Eu sabia disso porque nossa mudança não era um simples acontecimento do acaso, mas sim uma necessidade. Meu pai trabalhava em um escritório de advocacia. As coisas não estavam indo muito bem por lá. Daí surgiu a ideia de alugar uma nova casa menor. Dessa vez em um condomínio mais barato. Porém, ainda em um condomínio. Ele dizia que era por conta da segurança, mas eu sabia que a verdade era que ele não suportava ser visto como um fracassado pela sociedade.

Saímos do carro e entramos pela porta da frente. Vou direto até o meu quarto, no final do corredor, e me jogo sobre a cama. Havíamos feito toda a mudança no dia anterior, então praticamente tudo já estava no lugar. Não me sinto diferente por estar em uma casa nova. Na verdade, ainda me sinto tão vazio quanto antes. Checo o celular em busca de alguma novidade. Não há nada. Nenhuma mensagem ou notificação. Viro meu rosto para o lado e reparo meu violão recostado sobre o guarda-roupa de madeira branca. Assim como tudo, ele parece não fazer sentido agora.

Ted: Academia as 17:00?

A mensagem me desperta de um cochilo. Consegue despertar um sorriso bobo em mim também. Então, quando são quase cinco da tarde, troco de roupa. Visto uma camiseta, shorts e calço um tênis. Caminho até a cozinha e abro a geladeira. Meu pai está sentado em uma mesa a poucos metros, bebericando sua xícara de café enquanto folheia documentos para o trabalho.

– Vou malhar. – Falo, enquanto encho um copo com água.

Meu pai assente com a cabeça sem olhar diretamente para mim.

– Você tá precisando mesmo sair um pouco...

Suspiro. Eu já sabia o que ele falaria a seguir.

– E também tá precisando arrumar um emprego.

Depois de beber o conteúdo, vou até a pia e lavo o copo.

– Eu estou falando sério. – Meu pai continua depois de eu não responder sequer uma palavra. – Não é só porque sua faculdade está de greve que você precisa ficar o dia todo atoa.

Primeiro detalhe sobre mim: Eu faço faculdade de Direito. Há um ano. Era para eu estar cursando o terceiro semestre agora, mas uma greve repentina dos professores havia explodido e estávamos sem previsão de volta. Sinceramente, aquilo não fazia diferença para mim. Eu já havia descoberto que odiava aquele curso a meses. Também havia descoberto que só o comecei porque não tive outras opções. Acho que a única coisa que eu gostava de verdade era música, mas estava totalmente fora de cogitação. Eu não fazia ideia de como começar a trabalhar com aquilo. Nem sabia se existia alguma faculdade para isso. Além do mais, minha cidade era pequena e tradicional demais. Ninguém aqui decidia se tornar um "artista". E para completar, com certeza eu não era bom o suficiente.

– Eu vou arrumar um emprego. – Falo o que ele quer ouvir.

– Espero que sim. – Meu pai revira os olhos enquanto troca a página de leitura. – Você já tem dezoito anos. Está velho demais para continuar sendo um encostado. – Eu só queria sumir por estar ouvindo aquele discurso de novo pela milésima vez. – Todos seus amigos trabalham. Não entendo porque é diferente com você.

Para Aqueles Que Não Querem Viver [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora